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"Quando a vida não te pertence – Não, não acredito na hipótese suicídio” (Texto 14 de 35)

Duarte despede-se e sai em direção a casa, sente-se triste e exausto e caminha vagarosamente, enquanto a sua mente viaja a grande velocidade pelos muitos momentos de convívio que ele e Rodrigo tiveram. Recorda-se de num fim de tarde quente de verão, após mais um treino, falarem do tema suicídio, a propósito de uma amiga de infância sua que “se tinha libertado desta existência terrena” e estas tinham sido as palavras de Duarte. Rodrigo foi assertivo, direto e coerente, como sempre era e confessou-lhe já ter pensado em tal, quando era jovem, num hiato de tempo que mediou entre a morte do pai e a doença da mãe, algo possivelmente potenciado por estar em plena adolescência. Disse entender a razão pela qual algumas pessoas o faziam, mas disse também que amava a vida e todas as pequenas coisas e que o dia seguinte, esse, era sempre um novo dia, renovado e com todas as muitas possibilidades e potencialidades que tal acalentava. - Duarte, moço, a vida é tão difícil e ao mesmo tempo tão ext...

“Quando a vida não te pertence – Rosa, Pedro Lobo e Duarte Nascimento” (Texto 13 de 35)

Lá fora, o frio fez-se imediatamente sentir mal os últimos raios de sol deixaram o contato com o solo, num fim de tarde que se mostra agora cortante e desolador. Lá dentro, as conversas de circunstância parecem já não fazer sequer sentido. - É bom saber que o meu cunhado tinha amigos. Rosa esboça um sorriso cansado, olha para Duarte e pergunta se iria estar presente na cerimónia a ter lugar na manhã do dia seguinte. - O dia já vai longo e estamos a pensar fechar, ir jantar e dar este dia por encerrado. - Sim, claro, pensei que ficassem um pouco mais e estava apenas a tentar não os deixar sozinhos. - Sabe? Um dos problemas com estes momentos é que todos aqueles que nunca nos deram atenção, que nunca gostaram verdadeiramente de nós, vêm prestar a sua última visita. Como se viessem certificar-se que morremos efetivamente. Duarte abriu muito os olhos e ela apercebeu-se de o estar a constranger. - Não estou a falar do Duarte, desculpe, não era essa a intenção. Estou a falar ...

“Quando a vida não te pertence – Jaime dos Santos Silva e Duarte Nascimento” (Texto 12 de 35)

O tempo parecia teimar em não passar num daqueles dias dolorosamente intermináveis. Uma divisão com poucas pessoas sem muito mais em comum que não fosse algum tipo de relação mais ou menos estreita com o falecido. - Achas que ele se suicidou como andam para aí a dizer? - Não sei Jaime, gosto de acreditar que não. É verdade que o tempo estava seco, o Rodrigo parecia em forma e era cuidadoso e não alguém de precipitado no que fazia e o telhado junto ao algeroz é extremamente seguro. Encolhe os ombros. - Até a treinar ele era prudente, aliás, nunca o vi perder o controlo de nenhuma situação e até aquilo que me falaste há pouco, da disputa com a irmã, me parece um pouco fora do Rodrigo que eu conheço, sempre controlado, sempre com um sorriso, concentrado no que fazia. Duarte franze a testa e olha para o desgastado chão de madeira, iluminado agora pela luz que alguém acendera. - Por outro lado, vejo agora que era um solitário, sem grandes perspetivas de futuro e com uma família ...

“Quando a vida não te pertence – Marta Lobo” (Texto 11 de 35)

Dois dias antes do infortúnio e do que quer que tenha provocado a queda do telhado, Marta Lobo, a irmã afastada e problemática, com vícios que apenas consegue deixar por pequenos períodos, voltara uma vez mais para pedir dinheiro no intuito de refazer a sua vida e desta vez, como já noutras anteriores, sem casa, sem trabalho e sem qualquer outra alma a quem recorrer. - Obrigado por nada, nunca posso contar contigo, era só mais esta vez. Estou sóbria. Consegues ver que estou. Gritou em tons de fúria. A Rodrigo, esta realidade surgia-lhe como que em uníssono, com todos os muitos outros momentos anteriores em que tinha dado o que tinha e o que não tinha para oferecer uma segunda, uma terceira e uma quarta nova vida à irmã. Não sabia se eram as constantes ameaças de pôr fim à sua própria vida, se o dizer que se ia prostituir ou que a próxima seria uma overdose, mas Rodrigo já não conseguia ter lugar na sua vida para ela, não por não querer, mas por já não conseguir. - Queres mata...

“Quando a vida não te pertence – Jaime dos Santos Silva” (Texto 10 de 35)

Durante os meses de Verão, o vizinho de baixo de Rodrigo, do alto dos seus quase um metro e noventa, mudava de namorada pelo menos duas vezes por semana e fazia jus à sua compleição física. Pelo menos, era o que Rodrigo acabava por acreditar ao não conseguir dormir com os gritos provenientes do ritual de acasalamento abaixo. Jaime, o vizinho de baixo, era gerente e proprietário de uma das muitas escolas de surf local, o típico louro do sol e do sal do mar, com um bronzeado que mantinha os doze meses do ano e um amante de tudo o que era radical, sem hesitar mostrar o seu negócio promitente com as frequentes mudanças de carro ou de mota. - Ainda não consigo acreditar. Os bons são os primeiros a ir, nada de mais injusto. Não muito tempo após a sua mudança para o prédio, a irmã de Jaime falecera e este recorda o sucedido.  Lembra-se, então, do momento em que a amizade entre ambos surgira. Jaime preparava-se para encher a carrinha com pranchas que tinha na garagem e ao vê-lo de ar tacit...

“Quando a vida não te pertence – Duarte Nascimento, Parte II” (Texto 9 de 35)

  Rodrigo e Duarte a dado momento passaram a treinar numa base quase diária, a menos que o segundo estivesse de serviço e daí passaram para um copo ocasional, geralmente aos sábados à noite, com uma ou outra vez com próprio Jaime a se lhes juntar. As conversas acabavam por se manter, inconscientemente para os outros, numa base quase superficial, desporto, as notícias do dia, o dia que tinha sido um pouco mais cansativo, mas que não queria falar disso, a família que tinha feito das delas, mas queria encerrar o assunto e mudar o registo, e este era Rodrigo, o politicamente correto que ouvia o que os outros tinham para dizer mas sem achar necessário falar de si, o mestre manipulador de conversas, o homem que conseguia falar apenas e tão-só do que lhe apetecia no momento. Recentemente, num dos muitos dias de treino combinado, Duarte acabou por subir e aguardar por Rodrigo, que se tinha atrasado numa reunião. Não teve propriamente tempo para se sentar, até porque foram conversando s...

“Quando a vida não te pertence – Duarte Nascimento, Parte I” (Texto 8 de 35)

  Um pouco antes do irmão ter-se mudado para o Algarve, o que acabou por acontecer logo após o fim do primeiro casamento deste, Rodrigo tratou de encontrar um apartamento, deixou de morar no hotel e mudou-se para um T2 num imóvel em Lagos, de três andares, sem elevador e com um apartamento por piso. No rés-do-chão, morava Jaime dos Santos Silva, um daqueles homens meninos que parecem nunca crescer e que quando chegam à meia-idade continuam a publicar fotografias nas redes sociais a exibirem-se de prancha na mão e a caminho de apanhar uma onda. No último andar, um casal alemão, pouco comunicativo ou sequer sorridente e que nele residia normalmente de maio a outubro, muito provavelmente a aproveitar os seus últimos anos de reforma. Rodrigo adquiriu o primeiro andar, reformou o apartamento a gosto e manteve um dos quartos para escritório, dizendo frequentemente, com ironia na voz, que a vista para a igreja o inspirava. Num prédio ao lado, também num primeiro andar, mora o vizi...