“Quando a vida não te pertence – Duarte Nascimento, Parte II” (Texto 9 de 35)
Rodrigo
e Duarte a dado momento passaram a treinar numa base quase diária, a menos que
o segundo estivesse de serviço e daí passaram para um copo ocasional,
geralmente aos sábados à noite, com uma ou outra vez com próprio Jaime a se
lhes juntar.
As
conversas acabavam por se manter, inconscientemente para os outros, numa base
quase superficial, desporto, as notícias do dia, o dia que tinha sido um pouco
mais cansativo, mas que não queria falar disso, a família que tinha feito das
delas, mas queria encerrar o assunto e mudar o registo, e este era Rodrigo, o
politicamente correto que ouvia o que os outros tinham para dizer mas sem achar
necessário falar de si, o mestre manipulador de conversas, o homem que
conseguia falar apenas e tão-só do que lhe apetecia no momento.
Recentemente,
num dos muitos dias de treino combinado, Duarte acabou por subir e aguardar por Rodrigo, que se tinha atrasado numa reunião. Não teve propriamente tempo
para se sentar, até porque foram conversando sobre coisas triviais, a dar tempo
de Rodrigo se equipar. Falaram do Sporting, do regresso do Jorge Jesus ao
Benfica e até do barulho que a vizinha por cima do Duarte fazia com os saltos
altos pelas seis e meia da manhã.
Duarte deambulou entre a sala e o corredor e não necessitou de muito para ver o resto
da casa, não que fosse uma daquelas pessoas que gosta de ver o que os outros têm
ou o que fazem com a vida, mas o que ali havia estava à vista.
Não
que tivesse ideias pré-concebidas, mas não esperava encontrar uma sala com um
sofá de três lugares do IKEA, com ar desconfortável, um aparador e uma
televisão, permitindo-lhe a vista sobre uma cozinha impecavelmente limpa, à
semelhança do resto da casa, a dar aquele sentimento de falta de uso, com o
escritório dotado de uma secretária, uma cadeira, um computador e uma pilha de
livros no chão, ou o quarto apenas com um colchão, sendo que o guarda fatos está
encastrado na parede.
“É
mais fácil de limpar” lembra-se de Rodrigo ter articulado essas mesmas
palavras, não parecendo embaraçado.
Talvez
até tenha antes sido Duarte a ter ficado envergonhado ao ter sido “apanhado” a
observar tudo o que o seu amigo não tinha.
-
Sim, tens toda a razão. Pronto para treinar?
Duarte
respondeu com a pouca convicção que conseguiu angariar e fez por sorrir.
E,
não. A resposta é Não. A Duarte não lhe passou sequer pela ideia de que, o
amigo, à semelhança do que tinha sido tentado pelos seus antigos colegas,
pudesse estar pronto para fugir do país. Não, não se tratou de nada disso.
Ficou, sim, triste e desolado pela insensibilidade de não ter tido consciência
de quão delicada era a situação financeira de Rodrigo, com um ordenado mínimo e
uma casa com água, luz e gás para pagar.
A vida, na mioria do tempo, é madrasta má.
ResponderEliminarBom dia, João
A vida oferece inúmeros desafios... verdade. Um beijinho para ti
EliminarEste Rodrigo Lobo está cada vez mais misterioso. A Ana com a história dos hotéis levou-nos a pensar numa pessoa séria e responsável, honesta a cem por cento. mas porque será que tudo o que o rodeia me dá a pensar que ele se meteu em algo esquisito que veio a originar a sua morte, por suicídio, ou assassinato, parecendo suicídio. É será que a amizade dele com o inspetor, não é inocente? Será que o Duarte não está a servir de escudo do Rodrigo, sem disso suspeitar? Muito interessante mesmo, este conto.
ResponderEliminarAbraço e saúde
A parte boa de estar atrasado na resposta aos comentários é que já posso comentar um pouco mais (sorrisos)
EliminarEu parti de uma base de que ninguém é 100% bom ou mau, mas admito haver exceções.
Sem me adiantar muito admito que Rodrigo tivesse potencial para ser isso tudo, “sério, responsável e honesto”, mas… mais não digo.
Um dos temas difíceis que me fez andar às voltas nestes primeiros textos foi não querer usar um tema demasiado sensível quando estou a regressar e quando poucos me conhecem e um tema assim tende a afastar as pessoas da leitura (eu entendo).
Acontece que eu não queria de forma alguma lhes dar o final e quis deixar a dúvida “Suicídio, acidente ou?”
Abraço e muito obrigado
Olá Amigo! Cheguei e, com muito interesse fui ler todos os capitulos e comentários. Fiquei impressionada com a nossa Amiga Elvira que conhece Lagos tão a fundo, sabendo até o nome de todas as igrejas e capelas. Impressionante! Eu moro nesta cidade , V N de Famalicão há muitos anos e não sei o nome de todas as ruas; conheço-as, mas o nome não. Quanto ao conto, estou a gostar muito, mas também acho que o Rodrigo teve algum problema sério e que se suicidou. Conheço um caso em que um senhor se matou por " ter dado o passo maior que as pernas " e, perante tantas dividas, deu um tiro na cabeça, deixando o problema para a mulher e filhos, Conhecia-o muito bem! Esta amizade surgida entre o Rodrigo e o Duarte pode levar-nos a várias interpretações e eu já fiz a minha, só que não vou dizer qual é...Vou esperar, mas, prometo....depois direi se estava certa ou não Como bem dizes em uma das respostas a comentários, nem sempre temos tempo para visitar os blogues com a assiduidade que gostariamos e é isso que acontece comigo; há dias em que tenho de cuidar de uma netinha de três anos e, claro, o tempo fica todo para ela Mas, mais tarde ou mais cedo, cá estarei para acompanhar este conto que me está a agradar muito. Aproveito para te desejar um bom fim de semana, especialmente, com saúde para todos. Um beijinho
ResponderEliminarEmilia
Muito obrigado,
EliminarO enredo ainda não avançou o suficiente para comentar (sorrisos)
Sim, a Elvira conhece bem lados e depois é alguém que trabalha muito os seus contos, ou seja, há por lá muito trabalho de casa a sustentar cada tema tratado, uma entre as muitas qualidades da nossa amiga.
Andamos sempre a correr e lembro-me (ou pelo menos é a ideia que tenho) que em 2008 quando iniciei esta “vida” que tínhamos todos um pouco mais de tempo (ou a motivação era outra)
Um beijinho e boa semana
No fim de semana, com malta, vou ler todos os capítulos.
ResponderEliminarUm beijo para ti
EliminarOra, cá temos o Duarte. Um "amigo" com quem Rodrigo não se abre. Também levanta-se um pouco o véu sobre a maneira de ser deste último. Não diz muito de si próprio, antes prefere ouvir e "manipular" um pouco as conversas.
ResponderEliminarAbraço
Olinda
Um retrato adequado (sorrisos)
EliminarAbraço e boa semana
Rodrigo e Duarte tornam-se amigos, mas os assuntos tratados entre eles são trivialidades. Enfim, assim nunca se desentendem.
ResponderEliminarRodrigo continua na sua postura reservada. Até quando?
Beijos e boa semana.
Honestamente não sei o que se passa com o blogger porque eu tinha dado resposta ao seu comentário e ao do Jaime (ontem) e reparei agora que não está cá nada.
EliminarEm todo o caso,
Devo ter escrito qualquer coisa como… para a amizade ou relações esse tipo de comportamento até que pode ser bom (sorrisos) porque me lembro de ter brincado com o que escreveu.
Quanto a Rodrigo, o que referi e o que o Blogger não publicou (aparentemente) foi que já estaria a entrar na fase de ficarmos (espero eu) cada vez mais focados nos outros personagens e menos no Rodrigo, ao contrário do que foi até aqui.
Rodrigo, que como referi num comentário anterior, começou por seu o meu personagem principal, passou a ser tão só o “cenário” o “veículo” que utilizo para mostrar tudo o resto.
Logo vou publicar o próximo texto, já esgotei os que tinha em auto agendamento.
Um beijo para si (nunca a deixaria sem comentário – sorrisos – merece o mundo)
Não sei o que dará esta amizade do Duarte e do Rodrigo, mas veremos nos próximos capítulos.
ResponderEliminarContinuo a gostar da história e da narrativa.
Boa semana, caro João.
Abraço.
Bom dia, Jaime,
EliminarOntem respondi ao seu comentário e logo com tempo vou ver se o blogger deixou de publicar mais alguma das minhas respostas.
Mais do que gostar de escrever contos, é desta partilha que eu mais gosto e muito provavelmente o que ainda me mantém na blogosfera.
Gosto de escrever, mas escrever num blogue limita a criatividade e a fluidez de um conto (minha opinião) e o prazer que o blogue me acaba por oferecer é esta “conversa” com quem me honra com a leitura do texto e que aqui “troca” ideias.
Abraço e boa semana
Uma amizade assim já pode ser rara. Mas será que é mesmo verdadeira? Há no ar um certo mistério ao redor das conversas aparentemente triviais que eles partilham. O que escondem? O que nos reserva o narrador? Gosto deste modo de narrativa.
ResponderEliminarUma boa semana com muita saúde.
Um beijo.
Há um ponto que ainda não referi até aqui e que passa pela análise que faço de amizades após determinada idade e dependendo do tipo de pessoa que se é (mais ou menos reservado) não considero que se tenha assim um tão grande conhecimento dos amigos (ou que se pode demorar mais a ter). Não estou a dizer que é o que se passou com Rodrigo, estou a referir apenas o que me serviu como inspiração.
EliminarAgradeço a simpatia, um beijo e boa semana
O pensamento do Duarte quando observou a precariedade financeira do Rodrigo, mostra ser uma pessoa sensível e com um bom coração.
ResponderEliminarOra aí está. Rodrigo é sensível, tem uma forte componente familiar, é responsável e cheio de qualidades apesar de reservado.
EliminarE ainda nesse ponto, sabemos que é reservado para com os amigos, mas será que é assim tão reservado a nível familiar? Será que Rodrigo tinha algo a esconder? O último texto para isso aponta, os anteriores não nos diziam o suficiente, ser reservado ainda não é um crime (sorrisos).
E defeitos?
Haverá mais alguém com algo a esconder?
Onde é que está a própria natureza humana?
(sorrisos)
Muito obrigado, abraço e bom fim de semana
"... insensibilidade de não ter tido consciência de quão delicada era a situação financeira de Rodrigo...
ResponderEliminarQue tenhamos sensibilidade para vermos dificuldades em todos os níveis dos nossos amigos e possamos, ao invés de falarmos algo, silenciar se não podemos ajudar de alguma forma
Tenha dias abençoados de paz, João!
Abraços fraternos
Tocou num ponto muito sensível. Vivemos dias de prontidão, de dedo no gatilho prontos a disparar juízos de valor…
ResponderEliminarMuito obrigado, um abraço fraterno e bom início de semana