Desafio 1 – “O Retorno”:

 

 Desafio 1 – “O Retorno”:

Escreve um texto, poema ou pequeno conto, onde a personagem principal (podes ser tu, podes ser outra pessoa) volta a encontrar a sua antiga paixão ou talento (pode ser a escrita, mas pode ser outra coisa). Conta como foi esse reencontro — que sentimentos despertou, que obstáculos teve de ultrapassar, que mudança gerou na sua vida. Pode ter um tom realista, poético, até metafórico. Limite: 500 palavras.


 O gira-disco encanta com o dancing in the dark de Diana Krall. Uma chávena de chá preto numa mão. As “Vinhas da Ira”, de John Steinbeck, na outra. Maria desloca-se em pequenos passos, com articulações que se queixam.  Na lareira crepita um fogo tímido. Fica ali, imóvel por momentos, com a distância cansada de um olhar rendido.

Janelas abertas. Um sol que começa nas despedidas.  A brisa refrescante alimenta a metamorfose da tarde em noite.  O fim de Outono em puro esplendor. Lá fora, as cores adocicadas das folhas que caem. Odores húmidos a erva molhada e os sons relaxantes dos pingos da primeira das chuvas. Tão bom, pensa.

Deixa-se antes cair com suavidade na cadeira da secretária. O computador ainda está ligado. Pousa a chávena do lado direito, junto ao candeeiro. Deixa-se por este iluminar. Mantém o livro no colo, bem junto a si. Aperta-o com as mãos. Fixa o olhar no explorador de arquivos no centro do ecrã. Um ficheiro em específico.

Abro, não abro… As mãos tremem-lhe, um pouco mais do que o normal. Inspira e mantém suspensa a respiração. Uma fração de segundos. Expira.  Deixa descair o xaile que tinha pelas costas. Mantém o dedo no botão esquerdo do rato. Olha para o ecrã. Clica.

Faz por se lembrar. Deixou de escrever ou deixou de gostar? Os lábios traduzem um misto de mágoa e tristeza. O olhar desce e reflete a ausência de brilho. Pernas inquietas. Ossos que reclamam.  

Escolhe um texto aleatoriamente. Abre o documento. Interrompe o momento. Levanta-se e fecha a janela.

Olha para o monitor sem se sentar. A vida em suspensão. Era o título. Os dedos hesitam. Aguardam não sabe bem o quê. Uma garganta que seca. Um coração que dispara. Retira os óculos da gaveta da secretária. Dá início à leitura. Morde o lábio e franze as sobrancelhas. Inspira e expira profundamente. As palavras são dela. O ritmo é o dela. E a inspiração?

Agarra na chávena de chá, que não deixou chegar aos lábios. Volta a pousá-la. Escolhe um outro texto. Lágrimas de Inverno. Sente novamente um pulsar mais forte. Desta vez, uma energia que já não costumava ter. Acende o candeeiro de pé, de serviço aos dois cadeirões do pequeno escritório. Corre o cortinado. Ombros um pouco mais soltos e um olhar que ao cruza-se com o espelho de parede, este sorri. Volta a sentar-se. O chá já não deita aquele aroma particular que o caracteriza. Passou do ponto. Está frio. Depois fará outro.

Passa de texto em texto, de conto em conto. Eram dela. Sim, seus. Olha para baixo, para o livro que nunca chegou a largar. Abre um novo documento em Word.

Brota um primeiro parágrafo. Só um. Seguido de outro. E mais uns poucos…

Observa novamente o seu reflexo no espelho de tons dourados. Uma feição rosada, dois olhos luzentes. Mãos confiantes. Uma voz que não treme. A sua, a conduzir mãos que dançam num teclado de pura melodia.


Comentários

  1. Ah!
    Assim vale a pena!
    Gostei muito de te ler e, digo-te que estás com uma prosa mais solta e diálogos com bem maior vivacidade.
    Que bom teres voltado!
    Um abraço

    ResponderEliminar
  2. A vida é como uma chama que brilha intensamente por um momento, iluminando os nossos caminhos e deixando a sua marca. Cada instante é precioso, e devemos aproveitar cada respiração, cada sorriso, cada momento de luz que nos é dado. Afinal, é essa luz que nos faz sentir vivos e nos lembra da beleza de simplesmente existir.

    ResponderEliminar
  3. Olá, João
    Que alegria!
    Vi o seu comentário lá no meu blogue e vim logo
    a correr.
    Amanhã leio com mais vagar este seu texto.
    Grande abraço.
    Olinda

    ResponderEliminar
  4. What a moving story about rediscovering a lost passion and the quiet hope it brings back. It captures so well the delicate balance between doubt and renewed joy. I just shared a new travel post. I am excited for you to read it. Thank you. Happy weekend.

    ResponderEliminar
  5. Uncle Sam, diz-me o nome da vacina que tomaste, também necessito dela como de pão para a boca.
    ahahahahah

    ResponderEliminar
  6. Às vezes é preciso tomar balanço...
    Excelente texto, gostei de ler.
    Boa semana.
    Um abraço.

    ResponderEliminar

Enviar um comentário

Mensagens populares deste blogue

Desafio 2 - “Natureza, disse ele”

Desafio 5 — “A Carta Que Não Enviei”