Desafio 1 – “O Retorno”:

 

 Desafio 1 – “O Retorno”:

Escreve um texto, poema ou pequeno conto, onde a personagem principal (podes ser tu, podes ser outra pessoa) volta a encontrar a sua antiga paixão ou talento (pode ser a escrita, mas pode ser outra coisa). Conta como foi esse reencontro — que sentimentos despertou, que obstáculos teve de ultrapassar, que mudança gerou na sua vida. Pode ter um tom realista, poético, até metafórico. Limite: 500 palavras.


 

O gira-disco fazia Diana Krall dançar na escuridão (dancing in the dark). Com uma chávena de chá preto na mão, Maria desloca-se até ao cadeirão do escritório, próximo da pequena lareira que já crepitava um fogo tímido. Passa pelas estantes com livros, que forram a parede lateral e ainda deita um olhar de interesse, mas à semelhança da última década, nada lhe parece tentar. Olha para o computador antes de se decidir sentar, hesita, mas resolve o ligar.

As janelas estavam abertas e o sol começa a despedir-se até ao dia seguinte. A brisa refrescante promete uma noite um pouco mais fria, num fim de outono de puro esplendor.

Acaba por se deixar cair na cadeira da secretária, pousa a chávena do lado direito, junto ao candeeiro, já iluminado. Ainda pensa se fecha ou não a janela, mas é um momento que se perde ao olhar fixamente para o explorador de ficheiros.

Abre, não abre… encolhe os ombros e deixa descair o xaile que tinha pelas costas. Abre, claro.

Tenta-se lembrar por que razão deixou de escrever, porque é que deixou de ter prazer com a escrita. Talvez tenha deixado ter quem os lesse… sorri com um misto de mágoa e tristeza.

Escolhe um texto aleatoriamente e abre o documento, enquanto se levanta apenas para fechar a janela antes de começar a sentir frio.

A vida em suspensão era o título e não, não foi uma escolha assim tão acidental. Uma pétala de poesia a pairar, a aguardar não sabia bem o quê. Passa a mão pelo cabelo grisalho que mantém preso por um gancho, retira os óculos da gaveta da secretária e dá início à leitura. Estranha gostar do que está a ler, como se nunca o tivesse escrito. De onde é que terá retirado tal inspiração? Não tinha talento para tanto.

Agarra na chávena de chá, para logo de seguida a pousar sem sequer começar a beber e escolhe um outro texto. Lágrimas de Inverno. Sente um pulsar mais forte, uma energia que já não costumava ter. Acende o candeeiro de pé, de serviço aos dois cadeirões do pequeno escritório e corre o cortinado, numa ambiência que sempre a agradou. O chá já não deita aquele aroma particular que o caracteriza e ela também já não se lembra que este a esperava. Sente-se meio entusiasmada e meio surpresa com a sua própria arte.

Passa de texto em texto, de conto em conto, orgulhosa pelo que tinha criado, triste e talvez até magoada pela atenção que nunca acharam merecer, e com uma vontade enorme de brotar um parágrafo que fosse. Só um, seguido de outro e mais uns poucos…

Observa o seu reflexo no espelho de tons dourados, que mantém na parede junto a si. Vê um ar de esperança, uma feição com vida e cor, de alguém que já não acreditava respirar.

Sorri, agora, como quem sabe que, a vida, essa, é um fôlego de luz que só termina com o acender da última chama.

Comentários

  1. Ah!
    Assim vale a pena!
    Gostei muito de te ler e, digo-te que estás com uma prosa mais solta e diálogos com bem maior vivacidade.
    Que bom teres voltado!
    Um abraço

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  2. A vida é como uma chama que brilha intensamente por um momento, iluminando os nossos caminhos e deixando a sua marca. Cada instante é precioso, e devemos aproveitar cada respiração, cada sorriso, cada momento de luz que nos é dado. Afinal, é essa luz que nos faz sentir vivos e nos lembra da beleza de simplesmente existir.

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  3. Olá, João
    Que alegria!
    Vi o seu comentário lá no meu blogue e vim logo
    a correr.
    Amanhã leio com mais vagar este seu texto.
    Grande abraço.
    Olinda

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  4. What a moving story about rediscovering a lost passion and the quiet hope it brings back. It captures so well the delicate balance between doubt and renewed joy. I just shared a new travel post. I am excited for you to read it. Thank you. Happy weekend.

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  5. Uncle Sam, diz-me o nome da vacina que tomaste, também necessito dela como de pão para a boca.
    ahahahahah

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  6. Às vezes é preciso tomar balanço...
    Excelente texto, gostei de ler.
    Boa semana.
    Um abraço.

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