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“Quando a vida não te pertence – A irmã, Parte I” (Texto 26 de 35)

O regresso a Lagos aconteceu pela madrugada adentro e talvez tenha sido o trajeto mais rápido que Duarte alguma vez fizera entre as duas localidades. Estacionou o carro e entrou sorrateiramente no apartamento de Rodrigo para deixar o computador, não fosse Jaime dar pela sua chegada. Chegado finalmente a casa, conseguiu dormir ainda algumas horas, apenas as suficientes para fazer tempo de não perder Marta que lhe tinha dito estar a dormir num quarto arrendado nas imediações da igreja. A caminho, envia uma SMS ao seu superior a solicitar dois dias de férias para resolver uns problemas familiares. Chegou pouco depois das nove, identificou-se como polícia e conseguiu entrar. Bateu á porta do quarto e esta ainda demorou a abrir. Voltou a bater à porta e ouviu um “Vai já” num gritar mal-humorado de quem ainda não acordou. - Duarte? - Desculpa, não queria acordar-te a estas horas, mas temos que falar. Posso entrar? - Por favor, entra e senta-te. Posso oferecer-te apenas a cama. ...

“Quando a vida não te pertence – Tentativa falhada” (Texto 25 de 35)

Ainda naquele início de noite, mal Vera se afastou, Duarte troca breves palavras com um amigo de Lisboa, entra no carro e segue nessa mesma direção. Ao chegar a Lisboa, consultou um amigo de infância, que de pirata informático acabou por terminar recrutado pela polícia judiciária. - Nascimento, tu estás a arranjar-me problemas. Que merda é esta? Isto nem parece teu, caralho. Duarte assentiu com a cabeça. - Ajuda-me. O amigo calçou luvas, ligou o portátil de Rodrigo e começou a trabalhar em silêncio enquanto Duarte dava voltas à sala a lutar contra o sono, acabou por sentar-se no sofá e dormitar por algumas horas. - Nada, gajo. Não encontro nada, é o laptop daquele tipo de pessoa que não faz absolutamente nada de errado, ou daquele tipo de pessoa que tem demasiado a esconder e nesse ponto não estará ao meu nível. - No caminho para cá cheguei à fala com a cunhada e por esta apanhei também a irmã, ambas estiveram no telhado, mas há muitas pontas soltas, nada faz sentido. Ros...

“Quando a vida não te pertence – Que família…, Parte II” (Texto 24 de 35)

  - Meu maninho,   só te queria ver… - Não tenho nada Marta, ainda agora a Rosa veio cá para me pressionar que tenho as prestações do Afonso em atraso. Reforça ele que a interrompe com impaciência, desgastado ainda pela conversa anterior e a acabar por falar ao mesmo tempo desta. - Meu querido menino, não me estás a ouvir. Por favor, deixa-me falar. Não quero dinheiro. Não quero o teu dinheiro. E não entendo o que tu e o Pedro conseguem ver naquela gaja, tirando a vulgaridade. Há mais mulheres na terra, sabiam? - Desculpa, avança e diz então, tenho de acabar isto e não está a correr bem, há folhas a entupir até ao cú de judas, não consigo imaginar como é que isto ficou assim. - Só necessito de um sítio para ficar, um qualquer sofá ou colchão chega. O Jaime arranjou-me o que fazer. Ele gesticula irado. - Marta, eu não acredito, estás em recuperação, a dependência é para a vida e tu vais trabalhar com um traficante? Foda-se Marta, raios te partam. Não sei o que te d...

“Quando a vida não te pertence – Que família…, Parte I” (Texto 23 de 35

A contrariar as previsões meteorológicas, apesar de frio, o dia mantém-se solarengo acompanhado apenas por uma muito ligeira brisa. Rosa sente-se irritada e desce furiosamente aquelas escadas. Em caminho pega no telemóvel e queixa-se ao marido da conversa com Rodrigo e passa todo o tempo da duração da chamada aos gritos, como se Pedro fosse o responsável. - O teu irmão é um merdas, um egoísta, com um ego do tamanho do mundo e um ingrato depois de tudo o que temos feito por ele. Grita qualquer outra coisa impercetível para depois desligar o telemóvel com um “anormal” e imediatamente à saída da porta, pela surpresa ao cruzar-se com Marta, solta um “O que é que tu fazes aqui?” - Não que te diga respeito, mas vim visitar o irmão que ainda tenho. Rosa solta um riso histérico em sinal de provocação e um “sim, claro” que Marta escolhe não ignorar ao lançar-lhe um olhar fulminante. - Isso é suposto fazer-me medo? Vai lá mendigar ao teu irmãozinho que se está a cagar para ti como o ...

“Quando a vida não te pertence – Telhados de vidro” (Texto 22 de 35)

É bem humano protelar para depois as tarefas que nos causam enfado, escolher uma qualquer outra coisa para justificar o não fazer daquela outra que estamos a procrastinar e aguardar por melhores dias ou até ao dia imediatamente anterior àquele em que tem de ser feito ou apresentado, seja no dia a dia, seja nos estudos, seja no trabalho, por forma a fazer face a todas as outras prioridades envolvidas. Rodrigo não sentia prazer particular em subir ao telhado e esta parte não era um embuste, não porque não fosse capaz, não porque sofresse de vertigens ou sequer por considerar um trabalho menor. Muito simplesmente não era o tipo de tarefas em que gostasse de gastar o pouco tempo disponível que tinha. E assim foi adiando até ao fatídico dia em que, já em pleno inverno foi pressionado a ir limpar ou a contratar alguém para limpar o maldito algeroz e que, no caso do seu prédio, está disposto numa zona de fácil acesso, com um grau de dificuldade que se pode considerar inexistente, a menos ...

“Quando a vida não te pertence – Fim de linha” (Texto 21 de 35)

  Desde aquele momento em que se perde a aderência ao solo, até àquele outro em que perante o embate tudo termina, há uma eternidade na queda. Um ataque de pânico avassalador, a certeza da morte e um ponto final. Rodrigo amava a vida, porventura apenas se tinha arrependido da atividade profissional que escolhera anos antes, ainda estudante de mestrado. Aluno brilhante, rápido de raciocínio e com uma excecional capacidade dedutiva, com facilidade para os desportos, agradável à vista, de sorriso cativante e de conversa fácil, este era Rodrigo. O mesmo Rodrigo que num dia de janeiro acabou por se atirar, cair ou ser empurrado do telhado, o filho prodígio, o irmão exemplar, o amigo presente. Mas quem terá sido este Rodrigo que aparentemente ninguém conhece? Solitário, independente, trabalhador, a pessoa de aparência tranquila, sem medos aparentes talvez pela pessoa reservada que era, com pouco passado, pelo que muito escolheu esquecer. Tantas questões que ficam por respon...

“Quando a vida não te pertence – O Apartamento, Parte III” (Texto 20 de 35)

D uarte não deu pelo passar das duas horas e a dada altura já estava a começar a entrar num certo desespero por ainda ali estar e por arriscar comprometer alguma prova relevante para o que quer que fosse que por ali se andasse a passar, ou pior… ser apanhado. Abre o frigorifico e verifica encontra-se vazio, com uma dúzia de ovos e um pacote de leite já encetado, alguns poucos legumes e restos de sopa repartida por dois tupperwares . No congelador apenas dois peitos de frango congelados e um pacote de ervilhas, fechado com uma mola vermelha. Dos armários de cozinha podiam ver-se algumas latas de grão-de-bico e de atum e arroz basmati . Um computador portátil já com alguns anos, a funcionar muito provavelmente com o telemóvel a servir de hot spot, já que a casa não possui serviço de televisão por cabo. Rodrigo vivia no limite, mas até que ponto? Não havia levantamentos de dinheiro, o que levava a perguntar de onde é que vinha o dinheiro para a compra de alimentos, produtos d...