“Quando a vida não te pertence: Um dia a vela apaga-se” (Texto 1 de 35)
Parece
haver algo de espiritual numa vela que arde, traduzida numa luz, num guia para
o plano celestial, ou tão só num simples conforto, um desejo a ser pedido, uma
mensagem a ser enviada a um qualquer ente querido a desejar que esteja bem. 
Por
vezes tentamos ser ouvidos por Deus, pelos Santos, pelos anjos, por quem quer
que queira e possa ouvir as nossas preces. Por monólogos, orações ou
silenciosos pensamentos, fazemos todo o tipo de pedidos. Faz-se porque se
acredita. Faz-se porque se quer acreditar. Faz-se porque nos recusamos a
acreditar que a morte é um ponto final.
“No
fim do dia, o que seria do ser humano se não tivesse uma ponta de fé?”
Ela
fez por acendê-la e centrar-se apenas em pensamentos puros. “Estiveste tão
sozinho em vida, que a morte te traga, senão felicidade, algum alívio que
seja”.
Pensou
no dia em que o tinha visto pela primeira vez, primeiro ao cruzarem-se num dos
corredores da empresa e mais tarde na apresentação oficial. 
-
O Rodrigo Lobo era a empatia em pessoa, sempre disponível, sempre com um
sorriso e uma palavra amiga. Ainda não consigo acreditar, estou a vê-lo ali
naquele caixão a repousar no sonho dos justos e mesmo assim…
-
Eram próximos…
-
Não, de forma alguma. Ele chegou como assessor de um dos administradores e teve
uma ascensão sem igual. Era alguém brilhante, entende? Desculpe, não sei porque
é que estou assim tão perturbada. Mas, não, não eramos próximos.
-
A morte de alguém tende a colocar-nos perante a nossa própria finitude. Em
relação ao Rodrigo fico a pensar que era tão especial quanto reservado.
Ela
parece mais calma, respira um pouco melhor e a lágrima já não parece pronta a
cair, como se o que tinha acabado de ser dito a tivesse divertido, como se o
que tinha acabado de ser dito não fosse verdade.
-
Não parece concordar…
-
Não sei, eu não o conhecia, como referi, mas acredito que tenha razão. Eu
conheci o Rodrigo profissional, postura afável e disponível, motivado e namorado
da filha do acionista maioritário.
Sorri,
faz por apresentar o seu melhor sorriso, afasta com os dedos a franja dos olhos
e endireita as costas defensivamente, como que a dizer “Já chega”.
Um
sorriso que quase convence, um olhar que tenta mentir e um cabelo negro
delicado e liso que trai e deixa a descoberto alguém que escolhe tentar mostrar
um controlo que já não consegue manter.
-
Chamo-me Duarte Nascimento, desculpe, sou, ou melhor, era amigo do Rodrigo e
também vizinho. Vai ser estranho não o voltar a ver. Eu não acredito na
existência divina. Momentos como este deixam-me desconfortável e normalmente
não consigo parar de falar. 
Ele
sorri timidamente, mostra-se embaraçado. 
-
Vera, Vera Nunes e Cunha. Está no seu direito, é um ato de fé. 
O
tom de voz é agora calmo e seguro, estava recomposta.
-
Senhor Duarte, perante a morte, antes da nossa vela se apagar, o comum dos
descrentes deixará de o ser. Desculpe, mas tenho de ir.
Ora, ora, isto promete. A incónita do para lá da morte?
ResponderEliminarTema que gera muitas discussões, de pontos de vista, e que no fim, cada um sai a martelar no assunto, mas sem respostas.
Bom dia, João
Amanhã já é quarta feira? :)
A vida (a nossa e a dos outros e a morte (a dos outros e a proximidade da nossa) acompanham a existência. Normalmente, quem tem sorte apercebe-se apenas já na idade adulta. Aqui é apenas parte do cenário apesar das mensagens nela contidas.
EliminarUm beijinho para ti
Depois de tanto ler nem sei o que dizer!
ResponderEliminarBoa semana
nem eu...
EliminarConfesso que gosto da forma como escreve. Aquela introdução antes do conto propriamente dito é excelente. Depois a história desenrola-se num quase sem diálogo, como se nada conseguisse explicar a morte... Gostei muito.
ResponderEliminarUma boa semana com muita saúde.
Um beijo.
Muito agradeço pela simpatia. Estes meus exercícios de escrita têm o objetivo de me ocupar o pouco tempo disponível ao mesmo tempo que procuro sempre melhorar.
EliminarCom este exercício (o do conto completo) apercebi-me que acabo por repetir “construções”, expressões que muito provavelmente não seriam visíveis em textos isolados.
Obrigado, um beijo e bom resto de semana
Reconheço que não li o que está para trás, mas esta amostra agrada-me
ResponderEliminar:-)
Obrigado
EliminarViva. Não li o até aqui. Li o capítulo de hoje e gostei muito. Vou acompanhar os capítulos que aí virão.
ResponderEliminarCumprimentos poéticos
Obrigado
EliminarJoão, o começo deste conto parece-me um pouco "tétrico", filosófico também, mas muito bem escrito em contrapartida.
ResponderEliminarBem, o Rodrigo, o falecido, era boa pessoa e namorado da filha do acionista maioritário, o que pode querer dizer muito ou pouco.
A personagem feminina chama-se Vera Nunes e Cunha. Hum! Parece-me bem. Talvez o nome dela queira dizer alguma coisa.
Duarte, outra personagem, que irá dar volta à história, acho eu.
Somos, de facto, finitos, e nunca se percebe bem a chegada da morte.
Beijo.
É um começo um pouco “tétrico”, mas apenas parte do “cenário”. Tive em conta a “carga” do mesmo para quem lê e tentei ter o cuidado de colocar aqui e ali momentos que tentam mostrar isso mesmo, que é o cenário onde as informações são extraídas.
Eliminar“Rodrigo, o falecido, era boa pessoa”, sim, para mim era, mas se há alguém aqui que me conhece bem… e a Céu, a nível de escrita conhece… Já sabe que o que é nunca é o que parece (eu tento) e que há sempre uma tentativa de mensagem no texto (sorrisos)
Da análise dos personagens… atendendo a que conheço o conto (sorrisos) não posso comentar 😊
Um beijo
Começou bem este conto. Confesso que logo que comecei a ler me lembrei de um personagem do seu último conto. O jovem viúvo que tinha perdido o gosto pela vida. Porém logo me apercebi de que este novo personagem era totalmente diferente e a história tem um toque de mistério que me agrada muito. Para já começou muito bem. Parabéns.
ResponderEliminarAbraço, saúde e uma boa semana
A Elvira fez-me sorrir.
EliminarEstá em “pensamento” voltar aos contos antigos e tentar melhorar e dar mesmo continuidade. Senti em todos eles que acabei por dar um final a “correr”.
Em todo o caso, quanto a este, posso revelar que quando comecei a escrever pensei em o tornar algo um pouco mais sério e depois a mente acabou por levar-me para um terreno um pouco mais “seguro”.
Espero que esteja bem, abraço e boa semana
Uma delícia de leitura.
ResponderEliminarVou passear no seu blog
e voltarei.
Adorarei receber sua
visita no Espelhando.
Bjins❤️ de Carnaval
Catiaho Alc.
Bom dia, muito obrigado, volte sempre, beijinhos
EliminarO teu regresso João e o início de um conto minimalista com toque filosófico 🧐
ResponderEliminarsuaviza os meus receios em relação à situação política actual 🕊
Tenho a certeza que não suaviza coisa alguma, é apenas a tua amizade e simpatia a falar. Gosto de acreditar que as coisas não vão passar disto (que já é demasiado grave), mas não estou assim tão confiante…
EliminarUm beijo para ti
Fez-me recordar um episódio muito recente e muito presente.
ResponderEliminarCusta acreditar e afinal é tão real.
Um abraço
Infelizmente a vida adulta parece que nos coloca constantemente perante estas situações e com o avançar da idade piora… Inicialmente pensei estar a escrever um conto um pouco mais “intimista” e sério, mas a imaginação deu-me a volta e perdi o controlo da situação e fui para caminhos um pouco mais “familiares”. Dentro do drama, a história não o é e estamos perante um cenário que tento “interromper” com momentos que reduzem o “peso” (tentei pelo menos)
EliminarAbraço e obrigado
Quem parte deixa de ser ator no palco da vida.
ResponderEliminarA morte levanta sempre, para quem fica, interrogações que constrangem.
A fé será sempre uma forma de atenuar a angústia, de dar uma oportunidade à esperança.
Abraço amigo.
Juvenal Nunes
Muito obrigado. Como diz e bem, acaba por estar tão presente que provoca todo o tipo de emoções e interrogações.
EliminarAbraço e volte sempre
Muito bom, amigo! Se possível, gostaria que o prosseguisses. Agrada-me muito a ideia da vela e é fantástica a tua forma de nos fazer perceber que um dia nos iremos todos... mas as lembranças ficam! Meu abraço, boa semana.
ResponderEliminarMuito obrigado, este será um conto relativamente longo com uma previsão de 35 publicações se, entretanto, não adicionar alterações (sorrisos)
EliminarAbraço e boa semana
A morte é um mistério
ResponderEliminarNo fulcro transcendental,
Porém o ser, por mortal
É o fim. No cemitério
Apaga-se qualquer critério
Místico ou transcendente,
Porém, a fé faz a gente
Pensar na alma do ser
Que é imortal a ter
Tudo a ver com o que se sente.
Belo conto e a vela acesa é um místico mistério verdadeiramente sério no impérios dos sentidos. Parabéns! Abraço cordial. Laerte.
Eu costumo dizer que a blogosfera é dos poetas… e não considero estar enganado (sorrisos) muito obrigado pelo belo presente. Abraço e boa semana
EliminarBem escrito e cativante.
ResponderEliminarGosto!
Boa semana!
Beijo
:)
Muito obrigado, um beijo e uma excelente semana
EliminarRealmente, a vida não nos pertence, estamos por cá de passagem. E a vela apaga-se inevitavelmente.
ResponderEliminarCaro João, gostei muito do início deste conto.
Vou continuar a ler, com muito agrado.
Abraço
Olinda
Estive quase um ano sem escrever (tive de ir ver a data da última publicação no copo meio cheio) e este conto representa um regresso á escrita quase diária e acabou resultar em dois fins de semana completamente dedicados a escrever (entre muitas outras horas entre revisões, alterações, bloqueios sobre qual o caminho a seguir), algo que não me recordo de alguma vez ter feito no passado.
EliminarObrigado pela presença neste meu regresso. Abraço e um fim de semana tranquilo.
Boa noite de paz, João!
ResponderEliminarHoje vou me deter na vela e sua simbologia.
Ela vai brilhando até a cera se derreter toda.
A vida é como a vela acesa ...
O ato de fé é mesmo incompreensível a quem não a tem percebido em si ainda.
Vou lendo devagar os demais capítulos com muito gosto.
Devagar, eu chego lá...
Tenha dias abençoados!
Abraços fraternos
Tem tempo, obrigado pelo carinho. Abraço fraterno e um bom fim de semana para si.
EliminarComeça bem este conto...
ResponderEliminarO tema abordado deixa-me desconfortável, mas a curiosidade sobre o que virá a seguir fala mais alto.
Vou seguir sim, mas ao meu ritmo.
Regresso poderoso, João.
Beijo.
Olá!
EliminarObrigado, é um cenário e faz parte da vida e daí o desconforto. Quando pensei em como queria apresentar o personagem achei que seria o cenário mais adequado. São momentos em que a sensibilidade, ou a educação ou a humanidade e por vezes atá a hipocrisia fazem com que a pessoa fique numa redoma de qualidades e foi o que pretendi com o momento.
Um beijo e volte sempre
Bem, vamos ver o que se segue. Lidar com a morte nunca é fácil.
ResponderEliminarBeijos.
Muito obrigado, um beijo e bom fim de semana
EliminarGostei muito do que li.
ResponderEliminarVou ficar por cá.
Costumo dizer que a morte a mim, não me assusta.
Causa-me uma grande curiosidade.
Gostei da vela...cada vez mais é preciso luz.
Brisas doces *