“Quando a vida não te pertence – Duarte Nascimento, Parte I” (Texto 8 de 35)
Um
pouco antes do irmão ter-se mudado para o Algarve, o que acabou por acontecer logo após
o fim do primeiro casamento deste, Rodrigo tratou de encontrar um apartamento,
deixou de morar no hotel e mudou-se para um T2 num imóvel em Lagos, de três
andares, sem elevador e com um apartamento por piso.
No
rés-do-chão, morava Jaime dos Santos Silva, um daqueles homens meninos que
parecem nunca crescer e que quando chegam à meia-idade continuam a publicar
fotografias nas redes sociais a exibirem-se de prancha na mão e a caminho de
apanhar uma onda.
No
último andar, um casal alemão, pouco comunicativo ou sequer sorridente e que
nele residia normalmente de maio a outubro, muito provavelmente a aproveitar os
seus últimos anos de reforma.
Rodrigo
adquiriu o primeiro andar, reformou o apartamento a gosto e manteve um dos
quartos para escritório, dizendo frequentemente, com ironia na voz, que a vista
para a igreja o inspirava.
Num
prédio ao lado, também num primeiro andar, mora o vizinho, Senhor agente Duarte
Nascimento, com quem acabou por travou amizade, a partir nas inúmeras vezes
que, nos finais do dia, se cruzaram a treinar, amizade essa aprofundada a
partir do dia que começaram a correr juntos.
Duarte
Nascimento, nos seus trinta e muitos, estava alocado à parte de inquéritos e
preparação dos processos. Por vezes também acompanhava as equipas forenses, mas
maioritariamente não saia da sua secretária.
De
cabelos em tom castanho-claro, que matinha sempre muito curto, tal como a barba,
a enquadrar uns olhos inteligentes e ágeis, Duarte conta já com dois casamentos
fracassados, talvez por culpa da juventude com que foram celebrados, pelo que
vive agora de forma despreocupada, sem grandes obrigações ou compromissos. Gosta
de manter a sua rotina de solteiro e alimentar o corpo seco e musculado com
muitas horas de ginásio ou corrida, com pelo menos uma deslocação semanal a
faro a fim de combater o stress no club de tiro local.
E
nesta sua última fase, nem sequer é uma questão de querer ou não querer refazer
a sua vida. Para Duarte, há coisas que não se procuram e se limitam a acontecer.
Em
relação a Rodrigo e não que fosse algo que lhe ocupasse o espírito, Duarte não
deixara de estranhar a falta de interesse manifestada pelo amigo, mas
considerava a vida já de si tão difícil e complicada que para ele todas as
pessoas acabam por ter a sua própria bagagem passada a acompanhar e mesmo se o
primeiro brincava com ele a dizer que não era a andar com inglesas e alemãs que
este iria arranjar casório, Duarte nunca colocou questões. Sim, para Duarte era
um não assunto.
Gosto deste jeito de escrita, em que cada interviniente nos é apresentado. No decorrer da leitura totna-se mais fácil entendê-los no enleado na trama.
ResponderEliminarBom dia, João
Considero um pouco os outros atendendo às minhas próprias dificuldades de tempo e sei que quem me visita não tem muito tempo disponível e os textos são normalmente longos o suficiente…. Foi uma forma que encontrei de tentar ajudar a seguir o texto.
EliminarA título de curiosidade estou a ler uma escritora incrível que apresenta as histórias tipo legumes salteados (sorrisos) e a sequência é “demolidora” para a memória (ainda assim li o livro em dois dias)
Um beijinho para ti
Olá, João!
ResponderEliminarEntão, Rodrigo deixa o hotel e vai para um apartamento em Lagos e aí desenvolve algumas amizades, nomeadamente com o agente Duarte Nascimento, que julgo ser personagem secundária.
Gosto da forma como descreve a maneira de ser dos vizinhos, facto que pormenoriza o conto e lhe dá mais interesse, em minha opinião.
Duarte é um homem vivido e que não liga ao que os outros possam dizer. Apesar da amizade entre ele e Rodrigo, nunca houve perguntas da parte daquele, embora estranhasse a falta de interesse deste. Enfim, cada um tem o seu mundo.
Beijo alaranjado (estas poeiras atmosféricas do Saara!)
Há muito de intencional neste texto e que tem a ver com a ideia que formamos dos outros. E considero que mesmo quando não nos importamos que A ou B gostem mais da cor amarela ou azul, não significa que não se pense nisso, apenas não é importante para nós, independente se temos ou não razão no nosso pensamento.
EliminarDo Duarte falamos um pouco mais à frente, eu vou tentar não me esquecer do que teria gostado de lhe dizer já neste comentário 8mas que não posso – sorrisos)
Um beijo e boa semana
Lembrei o Zezé Camarinha e as suas cámónes :)))
ResponderEliminarPenso que as zonas de praia e mar convidam aos amores de verão. Já o era no passado, hoje que as pessoas estão mais soltas e independentes acaba por talvez ser um pouco mais (pandemia à parte)
EliminarMas fez-me sorrir, provavelmente o meu inconsciente também pensou nessa figura...
Fiquei curiosa com este episodio. Quem é este Duarte do Nascimento? O inspetor que já vimos naquele conto do Alemão? E conhecendo eu Lagos, como as palmas da minha mão estou a tentar descobrir o andar onde "instalou" o Rodrigo. Não pode ser na praça Gil Eanes porque não se vê daí nenhuma igreja. Na Praça Infante D. Henrique não há nenhum prédio com essas características, por isso , a Igreja que ele vê só pode ser S. Sebastião. Rsrsrs. Confesse que não estava à espera desta, verdade. Eu sei, trata-se de um conto, que cada qual situa onde quer. Conhece Lagos? A cidade de adoção de Sophia de Mello Breyner?
ResponderEliminarAbraço e saúde
Sobre o Nascimento respondo um pouco mais à frente… com o adiantar das publicações (sorrisos)
EliminarFez-me sorrir muito, muito mesmo e considero-me muito afortunado por ter os amigos que tenho a ler o que escrevo em especial porque a blogosfera é para os poetas ou para quem faz contos em dois parágrafos (sem desprimor), estou muito grato.
Confesso que não estava nada à espera… mas já me fez sorrir muito. Infelizmente para mim, não conheço Lagos como as palmas da minha mão, mas a zona do prédio está inspirada na zona da igreja de S. Simão e mais lá para a frente (talvez mais uns 15 textos à frente) vai poder dizer-me se as distâncias que os personagens tiveram de percorrer fazem sentido (sorrisos).
Não sabia, mas não me custa a acreditar, eu sou um apaixonado por Lagos, tem um centro que encanta.
Em todo o caso, tenho quase a certeza absoluta que os prédios que tenho em ideia têm apenas rc e 1.º andar, mas no meu texto inicial, o casal idoso alemão era parte da solução (e eu necessitei de mais um andar) e quando dei a volta ao texto deixou de ser (poderia ter resolvido a questão e ficar mais aproximado com a realidade, mas entretanto esqueci-me de corrigir e o casal alemão ficou a morar no 2.º andar…
Abraço e boa semana
S. Simão , em Lagos? Não estará a fazer confusão com S. Sebastião? Ou refere-se a alguma Igreja que pertencendo ao concelho, fica nos arredores? Porque em Lagos, existe a Igreja de Santa Maria, S. Sebastião, e Santo António, que está integrada no Museu de Lagos. Houve em tempos outra igreja integrada no Convento das Freiras, (por sinal foi onde o escultor João Cutileiro teve instalado o seu ateliê durante o tempo que viveu em Lagos e onde fez a famosa estátua do rei D. Sebastião, o rei menino, para a qual se diz que teve por modelo o próprio filho, então com 17 anos.) Mas essa está desativada há muitas décadas e sempre a conheci por igreja das freiras. Existe ainda a pequena capela de Santa Barbara, no forte Pau da Bandeira. Não conheço mais nenhuma Igreja em Lagos.
ResponderEliminar(sorrisos) sim, claro... São Sebastião... foi lapso
EliminarLi todos os textos até aqui. O João tem inspiração e transpiração marcante de escritor. Admiro a sua maneira de descrever e de desenvolver as personagens e suas situações.
ResponderEliminarVou ficar atenta ao desenvolver de toda a trama.
Estou a gostar. Parabéns.
Não mereço tanto, mas agradeço a simpatia. Em 2008 sempre que queria escrever um conto ficava “feliz e contente” quando conseguia dois parágrafos…
EliminarE uma das coisas que gosto nestes exercícios de escrita é por um lado, o desafio de tentar fazer nascer personagens que transmitam a sensação de poderem ser reais e cujas experiências vos digam alguma coisa a esse nível.
Gosto de criar cenários, gosto do desafio de tentar oferecer a visualização do espaço por onde os personagens se movem e gosto muito de tentar “desviar” quem lê do caminho certo por forma a não dar finais de uma forma totalmente gratuita e tudo isso não é fácil, pelo menos para mim.
E como pode ver gosto também muito deste momento em que posso ler o que pensa quem leu o texto, talvez ainda mais do que escrevê-lo (sorrisos)
Abraço e boa semana
Bem. Temos o Rodrigo Lobo colocado no seu apartamento com a vizinhança que o rodeia. Diria que este Duarte Nascimento terá parte nesta história, de algum relevo, visto merecer um capítulo tal como Ana Torres. A ver vamos...
ResponderEliminarAbraço
Olinda
Olá, Olinda,
Eliminar(muitos sorrisos)
Tenho quase a certeza que me vou repetir (em relação a alguma resposta a comentário anterior) mas, a dada altura, quando deixei de considerar Rodrigo o personagem principal, tive de tomar uma decisão:
Quem escolher para personagem principal? e porquê) A escolha não foi fácil, no sentido de querer que neste ponto do texto, para quem lê, todos possam ser considerados (de uma forma ou de outra) potenciais candidatos.
Ora, o irmão talvez seja o mais apagado (até aqui); a cunhada tem traços de potencial, mas apesar de todas as valências da personagem, aparece com uma ponta de cinismo o que não invalida, mas nesta fase talvez lhe tire pontos na “casa de apostas”; a irmã? Este último texto deixa-lhe uma péssima imagem; O Jaime? Até aqui não mostrou muito, mas mostrou alguma coisa que muito provavelmente pode ter passado na primeira leitura e que acredito que só podem entender um pouco mais à frente (e com isto não estou a dizer que é o personagem principal – sorrisos); A Ana Torres e o Duarte aparentam estar na linha da frente… mas…
E já referi antes, o casal alemão chegou a ter um papel de relevo no meu desenho inicial, porque me parecia que os idosos simpáticos ou pouco estariam sempre ausentes da lista de suspeitos…
Muito obrigado, abraço e boa semana
Gostei de conhecer algumas das características da vizinhança do Rodrigo. Concordo com o Duarte, cada um trás consigo a sua própria bagagem de vida.
ResponderEliminarAbraços
Espero conseguir transmitir pelo conto que as pessoas não são nem 100% boas nem 100% más e que há momentos e caminhos que podem originar desvios que normalmente nunca teriam acontecido, tal como há ambientes e acontecimento que mudam comportamentos e posturas.
EliminarMuito obrigado, abraço e bom fim de semana
"... amizade essa aprofundada a partir do dia que começaram a correr juntos."
ResponderEliminarQuão importante é aprofundarmos amizades e sairmos da superficialidade se nos propomos a corrermos juntos.
Tenha dias abençoados de paz, João!
Abraços fraternos
Por vezes é o momento da nossa vida, a idade, ou um qualquer outro fator, mas boas amizades iluminam muitas vezes o caminho. O ser humano não existe para caminhar só.
ResponderEliminarMuito obrigado e um abraço fraterno
Tenho estado a ler todos os textos até aqui. O João tem imensa inspiração e muita imaginação.
ResponderEliminarGosto da forma como dá a conhecer as suas personagens.
Brisas doces*