“Quando a vida não te pertence – Rosa Maria Lobo” (Texto 2 de 35)
- O Rodrigo?
Rosa
mantém-se sentada e parece pensar enquanto se perde a olhar para o infinito. Levanta
a mão direita no sentido de ajeitar suavemente o cabelo longo e liso, que muito
se orgulha de estar a caminhar para o branco, a contrastar com uma pele que mantém tão jovem
quanto a evolução o permite.
Respira
profundamente, enquanto avalia a sua plateia, solta um longo e doloroso suspiro
e parece suster a respiração por uma fração de segundo, para depois continuar.
-
É como um irmão. Era.
Inspira
com sentimento, levanta a cabeça, olha pela grande janela de madeira, pintada
de branco e entreaberta para um céu de nuvens, também elas brancas com um
sombreado a cinza, a avançar muito lentamente rumo ao sul e a provocar, aqui e
ali, pequenos, mas gloriosos focos de raios de sol como que a comunicar algo de
miraculoso. 
Lá
fora, a vida prossegue o seu curso com os transeuntes a parecer ignorar o milagre
da vida e até a demonstrar algum desagrado perante estes primeiros dias de
janeiro particularmente frios.
Estes
são os momentos em que escolhemos repensar a nossa existência e o que nela
possa haver de menos saudável. Aprendemos quase sempre muito pouco, com o
regresso aos velhos hábitos, ao comodismo, à inércia, à procrastinação, às
muitas horas passadas a trabalhar, em conflitos uns com os outros ou com o
mundo, ou apenas com nós próprios.
-
Sim, eramos muito chegados. Nós moramos apenas algumas casas acima. Fazíamos o
que podíamos por ele e ano após ano mantínhamos a tradição de tirar férias nos
mesmo períodos. Agosto em família. 
Abana
a cabeça com lentidão e pesar, num movimento que os cabelos sedosos e
brilhantes parecem acompanhar, deixa fugir uma lágrima contida e obriga-se a
prosseguir:
-
 O meu querido filho ficou com a minha
mãe, tem apenas cinco anos e não para de chorar pela morte do tio. Tentamos explicar-lhe
da forma mais doce, mas eram os melhores amigos, se calhar não o devíamos ter
feito, está inconsolável, pobrezinho.
Levanta-se
da cadeira de mogno já gasta pelo uso, que range e deixa visível o forro em
tons de veludo vermelho-escuro do acento almofadado. Ela olha para o marido,
aproxima-se, abraça-o e este, aperta-a com afeto e beija-a na face.
-
Esteja onde estiver, merece o melhor e não iria querer ver-nos tristes. 
Consegue
esboçar um sorriso não sentido, por entre mais um par de lágrimas que lhe
percorrem o rosto saudoso.
-
O meu querido irmão. Faz-me tanta falta.
-
Sim, o meu cunhado era alguém de extraordinário, inteligente, trabalhador e
muito humano.
Inconsolável,
deixa fugir mais uma ou duas lágrimas. 
Vira-se
novamente para o marido, passa-lhe a mão pelo ombro com suavidade e entre
desabafos solta uma ponta de ira.
-
A piranha da tua irmã, com o cheiro a dinheiro, não deverá tardar a entrar por
aquela porta. Felizmente não necessitamos, mas ela não merece um único cêntimo.
Recompõe-se,
deixa o olhar novamente recair para a janela e vê-se a ela mesma pelo reflexo
do vidro, como se esperasse aprovação. Aos quarenta e cinco anos, Rosa Maria
conseguia estar mais bonita do que aos trinta e mais atraente que aos vinte e
respirava sedução nem sempre provocada.
-
Desculpe-me, foi um desabafo que não consegui controlar. Sim, o Rodrigo era um
doce, um amor de pessoa, sabia viver e merecia o melhor.
Afaga
novamente o cabelo e limpa uma lágrima que teima em cair.
-
O melhor.
Um belo texto que me fascinou ler
ResponderEliminar.
Cumprimentos poéticos
.
Pensamentos e Devaneios Poéticos
.
Gostei do sentido que a históiria está a levar
ResponderEliminar:-)
Muito obrigado, abraço
EliminarMais um capítulo que li com prazer.
ResponderEliminarUma personagem curiosa esta, Rosa Maria. Uma mulher forte, que sabe como usar os seus atributos e um tanto cínica.
Abraço e saúde
(sorrisos)
EliminarSim, a Rosa é assim um “tanto”… (mais sorrisos)
A Elvira sabe que eu vou fazendo as minhas experiências a nível de “construções” e posso adiantar que a Rosa tem “variações” se comparada com os personagens do passado (não, não vou dizer mais do que isto)
Abraço, saúde e muita inspiração
Pensei aqui ter deixado
ResponderEliminarRecado à Rosa Maria
Do teu texto que irradia
Beleza no emaranhado
Do enredo a um resultado
Difícil de antever
Dado o meandro do ser
Que confunde o personagem
Com sua audácia, coragem,
Dissimulação e vias
Que trafega, com manias
De esperteza e malandragem.
Belo texto. Parabéns! Abraço cordial. Laerte.
Um comentário que pode muito bem espelhar a personagem, ela é tudo isso e talvez um pouco mais ainda (sorrisos)
EliminarMuito obrigado pelas palavras, abraço cordial e boa semana
Essas disputas entre os que ficam vivos são tão familiares a todos...
ResponderEliminarÉ incrível a importância que o ter tem sobre o ser… (sorrisos) infelizmente é assim.
EliminarAbraço, muito obrigado, uma excelente semana
Olá João,
ResponderEliminarExtraordinário talento o seu!
Estou a adorar ler :)
Tenha um dia feliz, um abraço!
Bondade sua, sempre um prazer em receber a sua visita. Abraço e um fim de semana inspirado
EliminarEm apenas 2 capítulos estão lançadas as sementes para um enredo interessante, já que me pareceu que o morto seria uma pessoa de posses e sem herdeiros naturais (filhos).
ResponderEliminarPara além disso, a narrativa é muito boa e apelativa.
Continuação de boa semana, caro João.
Abraço.
Ao longo dos anos, a blogosfera ofereceu-me bem mais do que eu esperava encontrar e é com grande gosto que recebo neste meu espaço, amigos com um talento incomum para a escrita e que muito me honram com a bondade dos seus comentários.
EliminarAbraço e bom fim de semana
Olá,
ResponderEliminarAlgumas considerações sobre Rosa Maria Lobo. Lobo? Então, é irmã biológica de Rodrigo Lobo ou não? Não é para responder, obviamente. Evidente que deve haver algumas famílias de apelido Lobo, mas fica a dúvida.
Gosto dos parágrafos que se seguem falando sobre a vida lá fora e a existência. Não é "palha", na minha opinião, antes dá beleza ao texto e pormenoriza-o.
O dialogo dela com o marido é interessante, mas há uma cunhada a quem ela chama "piranha", termo brasileiros, que não demorará a chegar, porque há bens a receber, decerto, o que leva a crer que Rodrigo Lobo não tinha filhos, herdeiros naturais. E termina em lágrimas. Será que Rosa Maria quererá alguns bens para ela?
Beijo.
Rosa é uma mulher com uma personalidade forte e devemos considerar que o comum dos humanos não é 100% bom, nem 100% mau, não vou dizer se ela é, ou não, uma das personagens principais, mas enquanto personagem, tem qualidades e defeitos que se prestam a tal e tive “avanços e recuos” durante os primeiros textos (com mais do que um dos personagens até), os mesmos que foram motivando o desenvolvimento da história.
EliminarComo já tive oportunidade de dizer numa outra publicação, a dada altura, o personagem principal (e acompanhantes) deixou de o ser, um personagem (ou mais, não vou dizer - sorrisos) perfeitamente pensado como acessório ganhou esse estatuto.
Rosa é cunhada do falecido e mulher do irmão deste, Pedro Lobo, um casamento que vem ainda do tempo em que a mulher ficava com o nome de família do marido. Mas, que isso não a conduza a enganos, de tradicional este casal tem pouco (não, não vou dizer mais nada – sorrisos)
Entendo que arrisquei ao ter introduzido “considerações” no decurso da ação, mas quis atingir o objetivo que a Céu sublinhou.
Um beijo de gratidão
Ah, mas a Rosa Maria pode ter o apelido Lobo por parte do marido, ou seja, o marido dela é que era irmão de Rodrigo Lobo. E há ainda outra irmã, a quem Rosa Maria apelida de interesseira e má.
ResponderEliminarVamos lá a ver se eu entendo esta trama, que infelizmente é comum a muitas famílias.
Uma ótima tarde.
A trama tem alguns personagens secundários (que visam não dar a quem lê o desfecho ao mesmo tempo que transportam informação), mas acredito que o personagem principal vai ficar no pensamento (apenas não quis que fosse visível no imediato. Quem é o personagem principal – Será Rodrigo?)
EliminarOlá, João
ResponderEliminarTexto muito elegante, com passagens reflexivas interessantes.
O pesar da família e a par disso
o lado material que, infelizmente, não fica de fora quando se dá o falecimento de um familiar.
Abraço
Olinda
Nestes meus exercícios de escrita, os desafios nunca são verdadeiramente iguais. Quanto mais escrevo, mas difícil se torna (para mim) escrever contos de dois parágrafos (que são os verdadeiros contos de blogue).
EliminarNão sei se algum dia falei disso com a nossa amiga Elvira, mas ela é uma verdadeira mestre nas “pausas” e dinâmica do texto e controla o desenvolvimento da ação texto após texto. Eu, por meu turno, começo a escrever e dou por mim com um capítulo que tem de ser separado em cinco ou seis publicações e completamente alterado por forma a fazer sentido em publicações individuais.
E tudo isto para dizer que o primeiro texto tentou captar a vossa atenção e que neste momento estou n a “parte difícil” de apresentar os personagens e dar início à trama sem perder o vosso interesse (sorrisos).
Muito obrigado e bom fim de semana
Esteja onde estiver, merece o melhor e não iria querer ver-nos tristes.
ResponderEliminarGosto dos relances carinhosos e ternos que aparecem e se destacam no texto.
Tenha dias abençoados com paz!
Abraços fraternos
Muito obrigado, a vida merece ternura, acho. Rosa não sendo uma personagem principal, terá sido muito provavelmente ainda assim, uma das minhas favoritas pelas qualidades e defeitos.
EliminarAbraço fraterno e boa semana
Uau! Já a herança faz cócegas!!
ResponderEliminarApós a morte, a herança atrai os abutres...
EliminarJoão, a trama está bem urdida desde o início, as personagens (até agora apresentadas)têm conteúdo, a história cativa.
Voltarei.
Beijo, boa semana.
Muito obrigado, um beijo e boa semana
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