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A mostrar mensagens de abril, 2022

“Quando a vida não te pertence – A irmã, Parte I” (Texto 26 de 35)

O regresso a Lagos aconteceu pela madrugada adentro e talvez tenha sido o trajeto mais rápido que Duarte alguma vez fizera entre as duas localidades. Estacionou o carro e entrou sorrateiramente no apartamento de Rodrigo para deixar o computador, não fosse Jaime dar pela sua chegada. Chegado finalmente a casa, conseguiu dormir ainda algumas horas, apenas as suficientes para fazer tempo de não perder Marta que lhe tinha dito estar a dormir num quarto arrendado nas imediações da igreja. A caminho, envia uma SMS ao seu superior a solicitar dois dias de férias para resolver uns problemas familiares. Chegou pouco depois das nove, identificou-se como polícia e conseguiu entrar. Bateu á porta do quarto e esta ainda demorou a abrir. Voltou a bater à porta e ouviu um “Vai já” num gritar mal-humorado de quem ainda não acordou. - Duarte? - Desculpa, não queria acordar-te a estas horas, mas temos que falar. Posso entrar? - Por favor, entra e senta-te. Posso oferecer-te apenas a cama. ...

“Quando a vida não te pertence – Tentativa falhada” (Texto 25 de 35)

Ainda naquele início de noite, mal Vera se afastou, Duarte troca breves palavras com um amigo de Lisboa, entra no carro e segue nessa mesma direção. Ao chegar a Lisboa, consultou um amigo de infância, que de pirata informático acabou por terminar recrutado pela polícia judiciária. - Nascimento, tu estás a arranjar-me problemas. Que merda é esta? Isto nem parece teu, caralho. Duarte assentiu com a cabeça. - Ajuda-me. O amigo calçou luvas, ligou o portátil de Rodrigo e começou a trabalhar em silêncio enquanto Duarte dava voltas à sala a lutar contra o sono, acabou por sentar-se no sofá e dormitar por algumas horas. - Nada, gajo. Não encontro nada, é o laptop daquele tipo de pessoa que não faz absolutamente nada de errado, ou daquele tipo de pessoa que tem demasiado a esconder e nesse ponto não estará ao meu nível. - No caminho para cá cheguei à fala com a cunhada e por esta apanhei também a irmã, ambas estiveram no telhado, mas há muitas pontas soltas, nada faz sentido. Ros...

“Quando a vida não te pertence – Que família…, Parte II” (Texto 24 de 35)

  - Meu maninho,   só te queria ver… - Não tenho nada Marta, ainda agora a Rosa veio cá para me pressionar que tenho as prestações do Afonso em atraso. Reforça ele que a interrompe com impaciência, desgastado ainda pela conversa anterior e a acabar por falar ao mesmo tempo desta. - Meu querido menino, não me estás a ouvir. Por favor, deixa-me falar. Não quero dinheiro. Não quero o teu dinheiro. E não entendo o que tu e o Pedro conseguem ver naquela gaja, tirando a vulgaridade. Há mais mulheres na terra, sabiam? - Desculpa, avança e diz então, tenho de acabar isto e não está a correr bem, há folhas a entupir até ao cú de judas, não consigo imaginar como é que isto ficou assim. - Só necessito de um sítio para ficar, um qualquer sofá ou colchão chega. O Jaime arranjou-me o que fazer. Ele gesticula irado. - Marta, eu não acredito, estás em recuperação, a dependência é para a vida e tu vais trabalhar com um traficante? Foda-se Marta, raios te partam. Não sei o que te d...

“Quando a vida não te pertence – Que família…, Parte I” (Texto 23 de 35

A contrariar as previsões meteorológicas, apesar de frio, o dia mantém-se solarengo acompanhado apenas por uma muito ligeira brisa. Rosa sente-se irritada e desce furiosamente aquelas escadas. Em caminho pega no telemóvel e queixa-se ao marido da conversa com Rodrigo e passa todo o tempo da duração da chamada aos gritos, como se Pedro fosse o responsável. - O teu irmão é um merdas, um egoísta, com um ego do tamanho do mundo e um ingrato depois de tudo o que temos feito por ele. Grita qualquer outra coisa impercetível para depois desligar o telemóvel com um “anormal” e imediatamente à saída da porta, pela surpresa ao cruzar-se com Marta, solta um “O que é que tu fazes aqui?” - Não que te diga respeito, mas vim visitar o irmão que ainda tenho. Rosa solta um riso histérico em sinal de provocação e um “sim, claro” que Marta escolhe não ignorar ao lançar-lhe um olhar fulminante. - Isso é suposto fazer-me medo? Vai lá mendigar ao teu irmãozinho que se está a cagar para ti como o ...

“Quando a vida não te pertence – Telhados de vidro” (Texto 22 de 35)

É bem humano protelar para depois as tarefas que nos causam enfado, escolher uma qualquer outra coisa para justificar o não fazer daquela outra que estamos a procrastinar e aguardar por melhores dias ou até ao dia imediatamente anterior àquele em que tem de ser feito ou apresentado, seja no dia a dia, seja nos estudos, seja no trabalho, por forma a fazer face a todas as outras prioridades envolvidas. Rodrigo não sentia prazer particular em subir ao telhado e esta parte não era um embuste, não porque não fosse capaz, não porque sofresse de vertigens ou sequer por considerar um trabalho menor. Muito simplesmente não era o tipo de tarefas em que gostasse de gastar o pouco tempo disponível que tinha. E assim foi adiando até ao fatídico dia em que, já em pleno inverno foi pressionado a ir limpar ou a contratar alguém para limpar o maldito algeroz e que, no caso do seu prédio, está disposto numa zona de fácil acesso, com um grau de dificuldade que se pode considerar inexistente, a menos ...

“Quando a vida não te pertence – Fim de linha” (Texto 21 de 35)

  Desde aquele momento em que se perde a aderência ao solo, até àquele outro em que perante o embate tudo termina, há uma eternidade na queda. Um ataque de pânico avassalador, a certeza da morte e um ponto final. Rodrigo amava a vida, porventura apenas se tinha arrependido da atividade profissional que escolhera anos antes, ainda estudante de mestrado. Aluno brilhante, rápido de raciocínio e com uma excecional capacidade dedutiva, com facilidade para os desportos, agradável à vista, de sorriso cativante e de conversa fácil, este era Rodrigo. O mesmo Rodrigo que num dia de janeiro acabou por se atirar, cair ou ser empurrado do telhado, o filho prodígio, o irmão exemplar, o amigo presente. Mas quem terá sido este Rodrigo que aparentemente ninguém conhece? Solitário, independente, trabalhador, a pessoa de aparência tranquila, sem medos aparentes talvez pela pessoa reservada que era, com pouco passado, pelo que muito escolheu esquecer. Tantas questões que ficam por respon...

“Quando a vida não te pertence – O Apartamento, Parte III” (Texto 20 de 35)

D uarte não deu pelo passar das duas horas e a dada altura já estava a começar a entrar num certo desespero por ainda ali estar e por arriscar comprometer alguma prova relevante para o que quer que fosse que por ali se andasse a passar, ou pior… ser apanhado. Abre o frigorifico e verifica encontra-se vazio, com uma dúzia de ovos e um pacote de leite já encetado, alguns poucos legumes e restos de sopa repartida por dois tupperwares . No congelador apenas dois peitos de frango congelados e um pacote de ervilhas, fechado com uma mola vermelha. Dos armários de cozinha podiam ver-se algumas latas de grão-de-bico e de atum e arroz basmati . Um computador portátil já com alguns anos, a funcionar muito provavelmente com o telemóvel a servir de hot spot, já que a casa não possui serviço de televisão por cabo. Rodrigo vivia no limite, mas até que ponto? Não havia levantamentos de dinheiro, o que levava a perguntar de onde é que vinha o dinheiro para a compra de alimentos, produtos d...

“Quando a vida não te pertence – O Apartamento, Parte I” (Texto 19 de 35)

Durante o par de horas que permaneceu no apartamento, Duarte não encontrou medicação alguma. Alguém assim tão depressivo, mas que se mantém tão controlado e tranquilo perante os outros e sem um qualquer antidepressivo em casa, um ligeiro calmante que seja. “Não sei”. Faz por recapitular todos os seus pensamentos e factos conhecidos da pessoa que Rodrigo era, ou melhor, da pessoa que Duarte considerava Rodrigo ser, ou ter sido e havia, também, neste momento a possibilidade de não ter tudo isso passado de uma grande falácia. Fosse de Rodrigo, como forma de se libertar de uma família difícil, fosse da família a tentar sufocar algo que não têm interesse em desenterrar. Pelo separador que Rodrigo mantinha numa das gavetas da secretária, era fácil concluir que Rodrigo Lobo, trabalhador com excesso de qualificações e com uma experiência profissional ao nível dos melhores, estava agora a auferir o salário mínimo nacional, a viver num apartamento T2 no centro de lagos, comprado metade poupa...

“Quando a vida não te pertence – O Apartamento, Parte II” (Texto 18 de 35)

  A chuva estava de regresso com pingos isolados e grossos a cair aparatosamente no chão e o vento frio vindo do Norte fazia-se sentir numa noite sem lua. Duarte está cansado e confuso e questiona os seus próprios juízos. Coloca em dúvida este seu impulso, ao ponto de quase acreditar que esta insanidade apenas pode ser justificada pelo recusar-se a aceitar que o amigo morreu ponto. E no fundo, Rodrigo morreu, ele, Duarte, sente a dor pela perda de alguém que já fazia parte do seu dia a dia, alguém que não tornaria a ver. "Não é intuição, até porque não há nada para intuir". Prestes a entrar no seu prédio decide dormir sobre o assunto, repensar todos os factos e acabar por aceitar as evidências. Entra em casa e quando se presta a largar as chaves no pequeno cesto que mantém à entrada, dirige-se para o aparador da sala e abre uma das gavetas. Encontra o que procura e se rápido pensou, mais rápido executou, apressando-se a sair de casa de luvas calçadas em direção ao apa...

Blog This is my journey…

Um pequeno intervalo no conto, que prometo retomar segunda-feira, para vos convidar a conhecer alguém muito especial. Ela tem uma história de vida absolutamente fascinante para contar e que escreve e descreve lindamente, pelo que prometo que vão conseguir libertar um sorriso mesmo nas passagens que aqui e ali possam ser um pouco mais difíceis de gerir, já que ela conta com brilhantismo momentos seus, assumindo a mulher de coragem e de força que é, e dando a conhecer a pessoa absolutamente extraordinária que conquistou desde o primeiro contacto a minha profunda amizade. Este é o seu blogue e ao contrário do meu, não é uma ficção, espero que gostem:   This is my journey…  (Link para o blog)

“Quando a vida não te pertence – O apartamento, Parte I” (Texto 17 de 35)

Já dentro do carro, Duarte arranca em direção à esquadra, num ritmo claramente superior ao permitido. Lá chegado, lembra-se da desculpa dada por Marta e ao colega que encontra à entrada diz-lhe ter-se esquecido da carteira. Entra no gabinete que reparte com mais dois colegas e aproveitou não estar ninguém para ligar o computador e aceder ao Auto de Notícia do agente que foi chamado a tratar da ocorrência. “Não, não menciona testemunhas para além da pessoa que passava naquele momento pela rua e que acabou por ser surpreendido por aquela queda aparatosa, brutal e sangrenta”.   O VMER foi chamado ao local (Viatura Médica de Emergência e Reanimação) e verificou do óbito e o caso foi comunicado ao Procurador e remetido para o Instituto de Medicina Legal. Duarte lembra-se de ligar a uma antiga namorada com quem combinou um jantar em data a não acontecer e foi assim que colocou as mãos no relatório do médico legista, sem nada de relevante a bem da verdade, uma autópsia perfeitamente regul...

“Quando a vida não te pertence – Uma história mal contada” (Texto 16 de 35)

Duarte despe-se e deixa a roupa no chão da casa de banho, entra para o chuveiro que já tinha a água a correr, sente o calor agradável a percorrer-lhe da cabeça aos pés, confrontado com mil e um pensamentos que o trespassam à velocidade da luz, vertiginosamente e violentamente. Tenta juntar os factos e admite que mesmo sendo verdade que nos últimos dias Rodrigo andava um pouco mais reservado que o habitual e até um pouco cabisbaixo, apático e pensativo, ainda assim, quem dera ao comum dos mortais apresentar a clareza de espírito e mesmo tranquilidade que este aparentava num dia menos bom, como aqueles últimos pareciam ter sido. “Não faz sentido. Não o Rodrigo que eu conheço”. Pensa. Num dos últimos dias, a dada altura, quando terminaram o treino, lembra-se de Rodrigo pegar no telemóvel, passar uma ligeira vista de olhos pelas mensagens e e-mails e parecer contrariado. Deixou um “obrigado pelo treino”, disse que a realidade estava a chamar e soltou um “até amanhã” e um “está na hor...

“Quando a vida não te pertence – Marta Rolo” (Texto 15 de 35)

O entardecer tinha atraído a chuva acompanhada de um ar gélido e cortante vindo de norte, agravado por um vento de força, a prometer uma noite cinzenta, escura e tempestuosa. Duarte acabou de chegar a casa vindo do crematório. As suas roupas estavam molhadas pela chuva e sentia-se desconfortável, a acusar algum cansaço pela emoção dos últimos dias, até mesmo mais angustiado e irado com a vida, do que cansado. Larga as chaves num pequeno cesto à entrada e escolhe um pijama que deixa em cima da cama antes de entrar para o banho, quando tocam à campainha. Vai abrir e depara-se com Marta, a irmã mais velha de Rodrigo, de cabelo a escorrer e com as roupas encharcadas pela chuva. Ela tremia, de frio ou pelos nervos e isso motivava um tom de voz ainda mais perturbado. - Desculpe, eu sei que era amigo do meu irmão. Pensei que talvez tivesse uma chave suplente da casa dele. No outro dia, estava atrasada e acabei por sair e lá deixar a minha carteira, estou sem dinheiro, não sei como é q...