“Quando a vida não te pertence – A irmã, Parte I” (Texto 26 de 35)

O regresso a Lagos aconteceu pela madrugada adentro e talvez tenha sido o trajeto mais rápido que Duarte alguma vez fizera entre as duas localidades.

Estacionou o carro e entrou sorrateiramente no apartamento de Rodrigo para deixar o computador, não fosse Jaime dar pela sua chegada.

Chegado finalmente a casa, conseguiu dormir ainda algumas horas, apenas as suficientes para fazer tempo de não perder Marta que lhe tinha dito estar a dormir num quarto arrendado nas imediações da igreja. A caminho, envia uma SMS ao seu superior a solicitar dois dias de férias para resolver uns problemas familiares.

Chegou pouco depois das nove, identificou-se como polícia e conseguiu entrar. Bateu á porta do quarto e esta ainda demorou a abrir. Voltou a bater à porta e ouviu um “Vai já” num gritar mal-humorado de quem ainda não acordou.

- Duarte?

- Desculpa, não queria acordar-te a estas horas, mas temos que falar. Posso entrar?

- Por favor, entra e senta-te. Posso oferecer-te apenas a cama.

Ela não faz por esconder a ponta de malícia, mas ele ignora e torna-se mais seco e mais duro no tom de voz.

- Marta, eu sei que estiveste com o Rodrigo no telhado no momento da sua morte.

- Que diabo? O que é que estás a insinuar? Estás parvo? Foi aquela puta que te encheu a cabeça de mentiras, estou certa?

- Há duas testemunhas.

Mentiu.

Ela desmancha-se num choro perturbado e soluçante que dificultam a compreensão do que está a tentar dizer.

- Eu estive no telhado, mas eu deixei-o bem, garanto que o deixei bem. Fui apenas à procura dele para lhe pedir desculpas pelo dia anterior e dizer-lhe que tinha arranjado trabalho com o Jaime.

- Uma das testemunhas ouviu a vossa conversa.

Mentiu sem pestanejar e a olhar nos olhos. Por esta altura ela já estava desarmada, desesperada, perdida e sem argumentos, não procurou fugir nem do olhar nem à verdade.

- O meu pequenino está morto. Fiz muita merda nesta vida, mas seria incapaz de fazer-lhe mal.

Para de soluçar, mas as lágrimas continuam indisciplinadamente a correr-lhe pelo rosto. Ela pega na mala e procura lenços de papel.

Assoa-se ruidosamente e faz por acalmar-se.

- Ele ficou zangado quando lhe disse que ia trabalhar para o Jaime. Eu tenho um problema com as drogas e o Rodrigo achou que provavelmente eu iria ter uma recaída. Já não o vou fazer.

Ele não assume a surpresa e fala como se estivesse por dentro das atividades extracurriculares do vizinho.

- Ias, portanto, ser correio do Jaime?

- Sim.

- Achas que o Jaime pode ter estado envolvido? A testemunha ouviu também uma voz masculina.

- Não sei, não penso que o Jaime tenha feito mal ao meu irmão. Quando lhe pedi algo para fazer porque necessitava de dinheiro, ele fez isso depender do Rodrigo não estar contra a ideia.

Limpou as lágrimas e voltou a assoar-se.

Comentários

  1. E o mistério continua a prender-nos à história. Já nem me atrevo a dar palpites.
    João hoje à festa no Sexta. Se quiser passe por lá.
    Abraço, saúde e bom fim de semana

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    1. Parabéns pela inspiração que representa, pelos anos de blogue e pela escrita que nos oferece. Obrigado por estar desse lado. Um abraço e um ótimo fim de semana

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  2. Estás a sair-me um Agatha Christie quiça um Hitchcock português, o mistério mantido até ao fim, e o assassino/a não será o mordomo ahahahah
    Muito bom, sô João

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  3. Caramba! É um caso bicudo!
    Estou a gostar do desenvolvimento, à espera do que vai dar.

    Beijos e bom fim-de-semana!

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  4. Duarte continua as suas pesquisas, incansavelmente.
    Achei o diálogo interessante entre os dois.
    Esperemos pelo capítulo 34 (rs). Aí, já devemos saber um pouco mais.
    Bom domingo.

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    1. Que grande maratona… bem perto do fim. Muito obrigado pela presença, daqui a pouco já vou ver se já regressou de férias… (sorrisos)

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  5. Cada vez a história me interessa mais, com imenso mistério e excelente narrativa.
    Uma boa semana com muita saúde.
    Um beijo.

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  6. Bem o mistério continua, afinal o Jaime também não falou tudo o que sabia em relação ao Rodrigo e à irmã.
    Bom domingo
    Beijinhos

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    1. Está quase, está quase... Não quero publicar o último sem ter oportunidade de responder aos vossos comentários e voltar às merecidas visitas. Tem sido uma semana exigente. Beijinhos e obrigado

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  7. A história continua em bom ritmo e cheia de mistérios.
    A narrativa, excelente, como sempre.
    Boa semana, caro João.
    Um abraço.

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  8. Agora esta novidade sobre o Jaime, isto é, em que é que ele trabalhava. E o Rodrigo sabia...
    Realmente, um risco deixar a Marta trabalhar em tal. O Duarte está a conduzir muito bem a
    investigação, gastando as suas férias para esse efeito. E aos poucos vai deslindando a coisa
    tendo em conta essa gente toda a esconder sei lá quê...mas de certeza parte da história.
    Ainda veremos o Duarte como personagem principal. :)
    Abraço
    Olinda

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    1. Texto após texto, após texto… e temos os resistentes que acabaram por estar sempre presentes e daí a minha gratidão.
      Se conseguir ainda ter tempo para as visitas, o último texto saí amanha, senão apenas na próxima semana, vocês merecem mais, mas não consegui ir ver o que é que andam a publicar e pesa-me a consciência (sorrisos)
      Abraço e um fim de semana inspirado.

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