“Quando a vida não te pertence – O Apartamento, Parte I” (Texto 19 de 35)

Durante o par de horas que permaneceu no apartamento, Duarte não encontrou medicação alguma. Alguém assim tão depressivo, mas que se mantém tão controlado e tranquilo perante os outros e sem um qualquer antidepressivo em casa, um ligeiro calmante que seja. “Não sei”.

Faz por recapitular todos os seus pensamentos e factos conhecidos da pessoa que Rodrigo era, ou melhor, da pessoa que Duarte considerava Rodrigo ser, ou ter sido e havia, também, neste momento a possibilidade de não ter tudo isso passado de uma grande falácia. Fosse de Rodrigo, como forma de se libertar de uma família difícil, fosse da família a tentar sufocar algo que não têm interesse em desenterrar.

Pelo separador que Rodrigo mantinha numa das gavetas da secretária, era fácil concluir que Rodrigo Lobo, trabalhador com excesso de qualificações e com uma experiência profissional ao nível dos melhores, estava agora a auferir o salário mínimo nacional, a viver num apartamento T2 no centro de lagos, comprado metade poupanças do tempo em que era administrador na então conhecida cadeia de hotéis, metade crédito bancário, que o mantém numa prestação presente de duzentos e quarenta e cinco euros mês, seguro não incluído.

O apartamento está despojado de mobiliário, mas três meses antes Rodrigo tinha trocado o velho BMW dos tempos passados por um 208 Active, preto, da conhecida marca francesa, com uma mensalidade relativamente baixa e com uma entrada de sessenta por cento do valor do carro no ato da compra. Valores que Duarte conferiu a partir dos extratos bancários que encontrou e que não tinham mais de meia dúzia de movimentos, incluídas as despesas com a manutenção de conta.

Acima das suas possibilidades? As contas poupanças vinham dos tempos de ouro e faz pensar que Rodrigo limitou-se a consumir o património que o acompanhara.

No extrato de dezembro, na conta de poupanças havia ainda um saldo positivo de sete mil e quinhentos euros e na conta à ordem dois mil e quinhentos euros, a exata quantia que estava agora no envelope em cima do aparador, o que significa que os euros, dólares  e as liras turcas tinham uma proveniência completamente distinta ou que já as detinha e mantinha guardadas “por baixo do colchão”.

Duarte não encontrou quaisquer outras transferências que não a do ordenado, religiosamente a cair no primeiro dia de cada mês, com os débitos diretos da água, gás e luz. 

Rodrigo mantinha uma coleção considerável de fatos de marcas, facilmente considerados artigos de luxo, mas ainda dos tempos áureos e que mantinha protegidos em porta-fatos, no guarda fatos embutido, com portas de correr pintadas de branco a fazer parecer a entrada para uma outra divisão e que se encontrava no quarto transformado em escritório.

Rodrigo não usava, nem tinha relógios de pulso, os que eventualmente possa ter tido no passado teria eventualmente vendido, à semelhança do que terá feito com tudo o resto. Do equipamento de treino, os ténis são a peça mais dispendiosa e ainda assim, Rodrigo só detinha um par a apresentar até quilómetros excessivos.

E ainda assim, ali estava Duarte a começar a pensar que Rodrigo tinha aquele comportamento, aquela vivência e posses de alguém que queria vender a todos os outros uma história que não era a sua.

Comentários

  1. Grande mistério!
    Bem diz o povo: "Só quem sabe do convento é quem lá vai dentro"!
    O Duarte vai descobrir tudo.

    Votos de uma Boa Páscoa!

    Beijinhos.

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    1. A ideia terá sido chegar a este ponto da história (ou talvez uns textos antes) e quem ler ter já escolhido, consciente ou inconscientemente um personagem para “seguir”/considerar principal.
      Para mim, desconsiderando toda a informação extra que tenho (sorrisos), começou por ser Rosa a Cunhada e muito pouco tempo depois Duarte, ainda hesitei na primeira personagem que foi apresentada, Vera, a antiga colega, mas Rosa parecia ter mais vida, não sei (sorrisos -- estou a confundir ainda mais)
      Poa Páscoa, beijinhos e um fim de semana tranquilo

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  2. Um misterioso crime de sangue?
    Será que Rodrigo entrou em negociações ilegais com a Arábia Saudita?
    Uma panóplia de manobras do autor, fazendo deste policial uma leitura fantástica.

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    1. De Rodrigo já espero tudo. (sorrisos)
      A tua simpatia e generosidade não tem limites, um beijo para ti e um fim de semana perfeito.

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  3. Viver de aparências?
    Conheço TANTOS assim!
    Páscoa Feliz

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    1. (sorrisos) Abraço, boa Páscoa e um excelente fim de semana

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  4. E continua o mistério acerca da personalidade e vida de Rodrigo Lobo.
    Vamos continuar até saber a conclusão.

    Dias felizes.

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    1. Duarte solidificou um conhecimento que já começava a ter, mas que não queria dar como verdadeiro e que se traduz no último parágrafo.
      Duarte parecia controlar o teor das conversas por forma a não se dar a conhecer e pelos vistos (para Duarte) até a casa despida de móveis (quando afinal tinha dinheiro) representa a visão que queria que tivessem dele, alguém que vive no limite das possibilidades.
      Resta saber se a interpretação de Duarte é a correta. (sorrisos)
      Está o fim de semana perfeito para qualquer que seja a escolha (ficar ou não em casa), um beijo e boas escolhas.

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  5. Isto agora vai de empreitada? Ainda não tinha tempo de ler este capítulo e já lá está outro?
    Cada vez mais misterioso e nem me alargo muito que o meu único neurónio já fumega.
    Abraço saúde e boa Páscoa.

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    1. O blogger confunde-me com as datas de publicação, mas a minha intenção foi segunda, quarta e sexta e penso que terá publicado nas alturas pretendidas (já não digo nada – sorrisos))
      Boa Páscoa, Saúde e tranquilidade, um abraço para si.

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  6. Tantas interrogações tem Duarte, e eu também :)

    Boa tarde, João

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    1. O Duarte tem dúvidas, mas se tem dividas foi integro o suficiente para não meter a mão no dinheiro… e quem escreve está sempre à procura de forma de surpreender e hoje, talvez de ainda estar um pouco adormecido (são oito da manhã), mas aqui perdi a hipótese de surpreender e deixar Duarte bastante bem na vida… (sorrisos)
      Um beijinho para ti, boa Páscoa.

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  7. Realmente, tudo muito suspeito, levando-me a dar a razão ao Duarte. Nada parece seguir a via normal de alguém que tem a sua vida encarreirada e que de um momento para o outro lhe acontece uma desgraça, que lhe põe fim à vida.
    Bem, a história já vai avançada, o que tenho a fazer é ir subindo e ler os episódios já publicados...
    Abraço
    Olinda

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  8. Realmente bem estranho o Rodrigo querer mostrar que nada tinha, talvez para não dar nas vistas e afinal tinha todo aquele dinheiro guardado, algo de sombrio se passava na sua vida.
    Beijinhos

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