“Quando a vida não te pertence – Os traficantes, parte I” (Texto 30 de 35)

Por mais do que uma vez achou estar num beco sem saída e umas outras tantas pensou, não sem ironia, que o mais importante acabava por ser o dia não estar frio.

“Mas que raio é que eu estou a fazer?”

“A estragar a minha própria vida muito possivelmente”.

Num monólogo em desespero de causa de perguntas sem respostas, a deixar em Duarte um sentimento de frustração e desalento.

Sentia agora que não conhecia Rodrigo e não sabia muito bem em quem acreditar ou no que acreditar. Rende-se aos factos, no sentido de Pedro ter acertado num ponto frágil. Os extratos bancários não mentem e se não tinha como confirmar os pagamentos mensais pela criança ou outro tipo de gastos com o filho, a verdade é que tinha a perfeita lembrança do grande arranjo que o carro sofreu antes deste o dar à troca pelo novo e nos registos bancários não encontrou despesa alguma de relevo na meia dúzia de movimentos mensais.

A conversa com Pedro acabou por prolongar-se por mais uma hora e meia e Duarte achou estar a viver num filme de má qualidade, quando se fosse para viver num filme, teria antes merecido e escolhido fazê-lo num “Casablanca”.

Quando finalmente se despediu de Pedro, telefonou a Jaime e convidou-o para um copo, acrescentando um seco “temos que falar”.

Ainda pensou ir dar uma corrida para espairecer no tempo que lhe restava até à hora combinada, mas sentiu-se exausto e acabou por tomar um banho para tentar acordar enquanto descongelou pão para fazer uma sandes e tentar comer alguma coisa.

Quando chegou á fala com Jaime, à semelhança dos demais, perante a perspetiva de homicídio, este tornou-se um livro aberto, ou pelo menos assim deu a entender.

- Duarte, mano, em jovem, por vezes somos estúpidos e escolhemos os caminhos mais fáceis. O que começou como uma forma de ganhar uns trocos e pagar contas para sobreviver tornou-se uma obrigação.

Ele olha para o chão e dá um gole na cerveja.

- Sabes? Na minha área de atividade, se decides parar levas um tiro nos cornos ou apareces numa rede de pesca já meio comido pelos peixes.

Apesar de estarem a beber, não era o álcool que o fazia falar, antes a saturação e o cansaço e porventura o choque que a palavra homicídio provoca.

- Não olhes para mim, eu não fiz mal algum ao Rodrigo. Era um amigo que muito me apoiou após a morte da Carla. Agora, ele não estava inocente nisto tudo. Quando descobriu, eu dei-lhe uma parte e foi a partir daí que começámos a fazer mergulho os dois.

Fica pensativo.

- Até comecei a acreditar que as saídas dele à noite teriam a ver com isto, mas depois, nos dias que me cruzava com ele, via-o chegar de manhã com aquele brilho nos olhos e descontração de quem tinha tido sexo.

- Com quem?

- Não faço ideia, com uma gaja, com um gajo, sei lá eu. A mim ele limitava-se a sorrir com aquele sorriso sacana que os putos fazem depois de já terem feito alguma e dizia que não era da minha conta, e no fundo não era.

Comentários

  1. Bom, parece que o Rodrigo saiu melhor do que a encomenda. Então criticava o Jaime por ser traficante e recebia uma parte ? Esta história está cada dia mais cabeluda. E mais intrigante. De um jeito ou de outro, parece que todos os personagens tinham motivos para acabar com ele.
    Abraço, saúde e boa semana

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    1. Rodrigo não criticava o Jaime, ele não queria era a irmã a trabalhar com Jaime… uma vez mais, a moral por detrás do texto acaba por ser que normalmente para os “nossos” a tolerância, a resistência aos defeitos até, é bem maior do que em relação aos estranhos em relação aos quais nem sempre há a atenção em não prejudicar…
      Não está claro o formato do envolvimento de Rodrigo com Jaime, mas dou a entender que pelo mergulho a droga chegava a terra. Havia pano para mangas e calças e meias e o que quer que quisesse escrever sobre as atividades de Rodrigo e este conto deixou-me com aquele sabor amargo no sentido de ter a ideia que havia potencial para algo maior (para uma história maior) mas que não seria comportável com a publicação num blogue. 35 textos é já uma maratona desumana para quem tem de ler o que escrevo (sorrisos)
      Muito obrigado, espero que esteja bem, um abraço e bom fim de semana

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  2. Quando se come for os riscos de intoxicação alimentar crescem…
    Boa semana

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  3. Não estou a acompanhar o que vem para trás, mas parece me bem esta parcela
    😉

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  4. Pela conversa do Jaime, o Rodrigo andava mesmo metido em negócios bem escuros.
    Beijinhos

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    1. A vida é feita de escolhas e umas têm maiores consequências do que outras e penso que agora já posso afirmar que Rodrigo vendeu a alma naquele dia em que estava a sair da faculdade...

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  5. E eu que desde os primeiros textos, sempre achei a personagem Rodrigo, como alguém de bom caráter, mas afinal ...
    Não sei se o conto ainda pode dar alguma volta e surja alguma surpresa.
    Feliz noite.

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    1. (sorrisos) Lamento... Mas o personagem Rodrigo tinha um propósito e se a desapontou (o personagem), eu fico feliz, porque no fundo é o que tento, que os personagens vos "digam" algo.

      Um beijo e espero que aproveite o fim de semana, acho que não vai estar tão quente (o que talvez não seja assim tão mau...

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  6. Caramba! Quem era Rodrigo? Ou o que o fizeram ser...

    Bom dia, João
    Agora já consegui comentar :)

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  7. Vejamos: o Rodrigo não tinha problemas financeiros. E era bem servido de sexo, que o deixava de olhos brilhantes, e expressão de alegria no rosto. Nada mal. Risos. A história está ganhando contornos que já nos possibilita conhecer melhor esse gajo. Parabéns, João, teu talento pra escrita é muito, muito bom.
    Beijos sem mistérios

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    1. Muito obrigado pela simpatia e pelo comentário que me fez sorrir. Acredito que não se pode conhecer alguém "morto", pelo que seria provável, Rodrigo ser muito pior do que parece...
      Um beijo e um ótimo fim de semana

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  8. NOTA: A pedido do João na impossibilidade dele o poder fazer no momento.

    "Amigos, estou sem conseguir comentar ou responder a comentários. Logo vou tentar o suporte e ver se resolvo a questão.
    Abraço a todos,
    João "


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    1. Obrigado, esta foi também a razão da minha ausência a nível de visitas e tentarei compensar aos poucos. Obrigado por estarem desse lado.

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  9. Traficante e bon vivant. O que mais ainda iremos descobrir sobre o Rodrigo?
    Abraço
    Olinda

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    1. (sorrisos) está a acabar... vamos ver o que o último texto ainda possa trazer...

      Abraço e obrigado por estar desse lado

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