“Palavras Paralelas”

Ela suspira profundamente, num daqueles momentos em que se olha para trás e já não somos capazes de reconhecer a pessoa que fomos, ou aquela que teríamos gostado de vir a ser, confrontados com a realidade transformada em vida.

Conhecem o sentimento?

Lá fora, o céu, adornado com vestes em tons de um azul luminoso e celestial, deixa a descoberto grandes castelos brancos a encobrir o sol, com focos de luz a romper e a eternizar o momento.

A viatura avança lentamente pela estrada estreita a acompanhar um horizonte desenhado por vales verdejantes e idílicos, vigiados de perto pelas grandes montanhas, companheiras de uma existência.

Pelo espelho retrovisor vê um coelho a atravessar, no momento imediatamente posterior à passagem do carro, um pouco mais à frente, uma águia atenta, sobrevoa o pequeno riacho, não assim tão distante da barragem.

Ao chegar à ponte de pedra, abranda e acaba por decidir parar o veículo num estacionamento lateral, com uma vista de deslumbre sobre as montanhas e a floresta que compõem o vale dos seus sonhos passados, com o pequeno riacho que desce e alimenta a barragem, que apresenta agora, os seus bancos de areia fina e a marca das águas por carência.

Ela olha para o infinito e encontra-se com a inocência de um passado, que apenas parece distante, com a paz e tranquilidade dos tempos perdidos, numa outra vida que já não parecia a sua.

Abre a porta e sai, sente a força do vento e o esvoaçar do pequeno lenço de seda que, em tons coloridos de outono, lhe cobre a cabeça.

No fundo, todos somos uns ingratos, pensa ao sentir-se esmagada perante tanta beleza.

E ela?

Mantém o olhar fixo no doce correr das águas translúcidas, por entre as ervas e as pedras

- Sim, “esqueci-me de agradecer à Terra que me deu casa para eu me abrigar nela, ser feliz e poder morar”.

A águia volta a sobrevoar, altiva e segura dos seus domínios.

Perante um prazeroso espetáculo de luz e sombra e com o conforto do sentir do sol na pele, um pouco mais abaixo, um menino corre sem direção, alegre e feliz, enquanto a mãe, lê tranquilamente.

- Sim, “esqueci-me de agradecer aos oceanos, aos mares, rios, lagos e ribeiras que me dão as suas proveitosas águas”. A verdade é que damos a vida, a saúde, a família e amigos por garantido, a nossa liberdade e a nossa própria vida.

Do outro lado da ponte, um espaço encoberto por pinheiros centenários, os mesmos que a abrigaram em muitos dos piqueniques familiares, normalmente aos domingos, ainda menina.

- “esqueci-me de agradecer às árvores que tão bondosamente me dão flores, frutos e sementes”.

Não se recorda de ter dado conta da mudança nos céus e sente o cair das primeiras gotas de chuva, enquanto uma rajada de vento um pouco mais forte lhe leva o lenço pela arriba abaixo, para depois, qual andorinha, voar até ela o perder de vista.

- “Esqueci-me de agradecer ao vento que traz a chuva benfazeja para engrandecer o meio ambiente”.

Sente que quer ali ficar para todo o sempre, presa a um passado feliz e evitar um presente de contrariedades, porquanto a voz da natureza lhe parece dizer que tudo existe por uma razão e que tudo se complementa.

- Avança, avança… - diz-lhe o próprio vento.

- Aqui, “Todos os seres da Natureza, as Árvores, o Sol, a Lua, o Vento, se dão bem uns com os outros, portanto, tudo está em harmonia”.

Perante aquele mundo perfeito e sem conseguir articular, solta uma lágrima há muito contida. Acaba por ter de entrar novamente na viatura. Chegara a hora. Acende as luzes e escuta o ronronar do motor.

- Sim, vou avançar – Diz a si mesma.

- “Todavia, eu e por ser imperfeita, esqueci as minhas promessas, mas daqui para a frente, juro, vou começar a aprender com o equilíbrio em toda a Terra e não mais esquecerei de agradecer a sã convivência entre todos os seres e como eles procederei

Prometo!”

 


Um exercício de escrita ao abrigo da rubrica “Palavras Paralelas” com o Blogue "Ausente do Céu" da Céu, que merece a minha profunda amizade.

Nos Links, encontram o poema da Céu, de onde retirei as palavras que coloquei entre aspas.

Trata-se de uma das rubricas do passado que pretendo manter e que aqui deixo a título de exemplo. Dado ser um texto já previamente publicado no "Copo Meio Cheio" em 25-01-2021, não estará disponível para comentar. 

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