“Quando a vida não te pertence – O Apartamento, Parte III” (Texto 20 de 35)

Duarte não deu pelo passar das duas horas e a dada altura já estava a começar a entrar num certo desespero por ainda ali estar e por arriscar comprometer alguma prova relevante para o que quer que fosse que por ali se andasse a passar, ou pior… ser apanhado.

Abre o frigorifico e verifica encontra-se vazio, com uma dúzia de ovos e um pacote de leite já encetado, alguns poucos legumes e restos de sopa repartida por dois tupperwares.

No congelador apenas dois peitos de frango congelados e um pacote de ervilhas, fechado com uma mola vermelha.

Dos armários de cozinha podiam ver-se algumas latas de grão-de-bico e de atum e arroz basmati.

Um computador portátil já com alguns anos, a funcionar muito provavelmente com o telemóvel a servir de hot spot, já que a casa não possui serviço de televisão por cabo.

Rodrigo vivia no limite, mas até que ponto?

Não havia levantamentos de dinheiro, o que levava a perguntar de onde é que vinha o dinheiro para a compra de alimentos, produtos de limpeza ou até para pagar o condomínio do prédio, ou o café ou cerveja que bebia aos sábados á noite.

Duarte, hesita, mas a casa estava com ar de não ter ainda sido visitada e acaba por agarrar o portátil e envolvê-lo numa pequena manta aposta sobre o sofá e colocá-lo num saco de compras. Fecha a porta atrás de si, dá as duas voltas à chave, conforme estava, guarda as luvas no bolso do casaco e desce as escadas do prédio com a agilidade e descrição possíveis, enquanto pensa nas palavras de Jaime:

“Solitário, mas não tanto. Uma boa parte das noites eram dormidas fora de casa. Normalmente sou o último a entrar na garagem e o primeiro a sair e somos três no prédio, é fácil dar pela ausência.”.

“Rodrigo, amigo, o que é que andaste a esconder estes anos todos?”

Já cá fora, procura o carro, quando do outro lado da estrada, a parecer perdida e desorientada, vê Vera, que não parece reparar nele, a andar para a frente e para trás.

- Boa noite, que coincidência, estás bem?

- Desculpe, Duarte? Já não tenho bem a certeza do seu nome.

- Não há problema. Acabei de regressar da lavandaria, tinha uma manta que mandei lavar.

Ela parece comprometida e mesmo um pouco desorientada, mas, à semelhança de algumas horas atrás, recompõe-se e justifica-se:

- E eu tinha um café combinado com o Rodrigo e eu sei que não faz sentido, mas tive de vir cá, não sei, talvez à espera que seja tudo um grande equívoco e que ele surja a sair daquela porta.

Ele acena como quem diz “acredito e compreendo”. Mentiu.

Comentários

  1. Mais um capítulo intenso, profundo, poderoso, que me fascinou ler.
    .
    Deixando votos de uma Páscoa muito Feliz, extensivos à sua família, e mais pessoas, que estejam em seu coração.
    .
    Pensamentos e Devaneios Poéticos
    .

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    1. Ainda bem que gostou, muito obrigado pela simpatia, abraço e boa Páscoa

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  2. O mistério, o virtuosismo e a magia da tua escrita, João.
    Vera, mulher frágil, que se quer vender de mulher forte.

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    1. A minha escrita não é nada disso, mas a tua amizade e simpatia valem ouro.
      Quando se joga com tantos personagens em publicações espaçadas dificulta e muito a vida de quem tenta ler, algo que é menos difícil de acontecer num livro (a menos que sejam livros a ler num prazo de dois ou três anos – conheço casos – sorrisos)
      Ora, Vera é tudo isso (o que tinhas dito), apenas quero esclarecer quem tiver dúvidas que Vera é a personagem apresentada no primeiro texto…
      Um beijo para ti, espero que o dia por esses teus lados esteja tão bonito como deste meu, aproveita bem o fim de semana.

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  3. Duarte continua com as investigações, mas está tentando "juntar a bota ca perdigota", mas ainda não conseguiu.
    Vera tinha um café combinado com Rodrigo Lobo? Bem, será que o Rodrigo não morreu e encontra-se algures? O conto pode dar a volta, a qualquer momento.

    Dias felizes e bom descanso.

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    1. Vera, a antiga colega, a personagem do primeiro texto.
      Ela tinha um café em agenda com Rodrigo e mesmo a saber de sua morte (ela esteve no velório) sentiu necessidade de à hora marcada estar em frente á casa de Rodrigo (diz ela).

      Eu sei que parece um disparate (sorrisos), mas se calhar não é… Pelas palavras dela:
      “- E eu tinha um café combinado com o Rodrigo e eu sei que não faz sentido, mas tive de vir cá, não sei, talvez à espera que seja tudo um grande equívoco e que ele surja a sair daquela porta.”
      Agora, o que se calhar não esteja a fazer sentido, será possivelmente a posição que ela teve no primeiro texto, isso, ou é alguém com uma sensibilidade apurada e que também nas suas próprias palavras no primeiro texto “Desculpe, não sei porque é que estou assim tão perturbada. Mas, não, não eramos próximos.”
      Um beijo e muita inspiração que pelas minhas contas deve estar para surgir um poema seu… deve estar quase na hora (sorrisos).

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    2. Não me lembrava desta antiga colega de Rodrigo. Com a sua resposta, do João, percebi que faz algum sentido as palavras dela.
      Poema, para já, não. Quero descansar mais uns dias, embora as aulas já tenham começado.
      Beijo e bom resto de dia.

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  4. Pelas razões que já lhe expliquei , não tenho desta vez um grande comentário. Vou aguardar o capítulo de segunda feira pode ser que já esteja melhor para reler os últimos capítulos.
    Abraço, saúde e uma Feliz Páscoa

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    1. Tudo a correr pelo melhor.
      Os contos têm tempo, muito tempo, não vão a lado nenhum.
      Abraço, saúde, uma Páscoa feliz e tranquila

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  5. Vim ler mais um capítulo deste " mistério " e aproveito para te desejar uma Páscoa feliz, com saúde e a alegria possivel. Claro que a Vera mentiu mas desorientada poderia estar , pois segundo os anteriores capitulos ela " não bate bem da cabeça ", como se costuma dizer. A ver vamos o que sairá daqui! Tenhamos paciência, não João? Um beijinho e tudo de bom, com paz ao teu redor, já que no mundo ela nunca chegará, infelizmente
    Emília

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    1. (sorrisos)
      Olá!
      Eu entendo a dificuldade e teimo em apostar em muitos personagens porque isto são exercícios de escrita destinados a desafiar o meu tempo livre (por vezes a falta deste) , mas a leitura em blogue e com textos espaçados piora tudo. (quando um livro podemos o fazer seguido e o que num livro seria pouco mais de 20 páginas, aqui em blogue representa a leitura de dois meses, pelo que é difícil ter presente todos os momentos)
      Este personagem é Vera e a irmã problemática é a Marta. E na tentativa de ajudar, porque tenho a certeza que há mais amigos e amigas com a mesma dificuldade, Vera apenas esteve presente no primeiro texto.
      E como presente de Páscoa (pela dificuldade acrescida - sorrisos) vou dizer algo que normalmente não diria nesta fase do conto. Nesta minha tentativa de escrita quis trabalhar a importância de alguns personagens, com momentos em que parecem crescer mais no enredo e outros que pareciam que iam mais além do que isso e Vera teve acesso até aqui, apenas ao primeiro texto por uma razão.
      No primeiro texto ela tem uma determinada postura e entra em diálogo por opção deste. Eu quis no primeiro texto, ter aqueles dois personagens presentes. E mais não vou dizer (sorrisos)

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    2. Já disseste muito...já desfizeste a minha confusão...Marta, a irmã problemática e não Vera. Nao vou esquecer! A minha filha é Marta....só não é complicada( às vezaess um pouquinho...) obrigada! Beijinhos e saúde!
      Emilia

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  6. Já havia comentado aqui, que o Duarte tem vocação pra Investigador de Polícia, e os cuidados tomados na casa do Rodrigo, luvas, recolher o móvel com uma manta.. Só vem confirmar o que penso. Muito bom o capítulo de hoje.
    Voltarei.
    Beijinhos.

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    1. Depois deste conto quero fazer experiências com outro tipo de histórias (com menos textos para vos dar algum descanso – sorrisos), mas quando quero divertir-me acho que acabo por escapar para contos como este e ainda hesitei antes de escrever o que vou escrever a seguir (sorrisos), mas quem sabe, este conto não será o início da história de Duarte…
      beijinhos, Boa Páscoa e obrigado

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  7. A Família do Rodrigo é estranha, não?
    Vou fazer como a Elvira e esperar por segunda feira :)


    Boa tarde, joão

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    1. Olá, menina do Norte… A família de Rodrigo é de facto estranha… coitados, a culpa é minha assumo, escolhi que assim fossem (sorrisos).
      Agora,
      Este personagem é Vera, não Marta (a irmã) e Vera é a antiga colega, Vera Nunes e Cunha. A Vera aparece no primeiro texto, um texto com maior importância para o enredo do que à partida parecia ter… (sorrisos)
      Um beijinho para ti, boa Páscoa. Amanhã tentarei passar às visitas, hoje já será difícil.

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  8. Bem se vê que o Duarte tenta adivinhar que vida é que Rodrigo levava, pois pelo que consegue apurar naquele apartamento não estará toda a sua história. Ocorre-me agora se ele não terá uma outra morada escondida de todos...
    Confesso que não me lembro de Vera. Vou continuar a ler os episódios, talvez encontre mais dados.
    Abraço
    Olinda

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    1. (sorrisos) Porque não posso adiantar muito numa fase em que tudo começa a acontecer, mas sim, reconheço que faria sentido (não estou a afirmar que segui esse caminho).
      Penso que já referi que o primeiro conto maior que escrevi (ainda no blog “copo meio cheio”) acabou por ser diretamente influenciado pelos comentários ao ser escrito texto a texto. Depois deste conto, vou começar com as imagens e frase oferecidas anteriormente e depois disso se chegar a uma fórmula coerente para a vossa generosa participação, estou de facto tentado a contruir um pequeno conto texto a texto, com talvez um texto do conto a ser publicado por semana e outras duas postagens com questões/temas de resposta rápida para quem quiser participar e que eu possa usar como fonte de inspiração para os caminhos a seguir.
      Muito obrigado, abraço e bom resto de semana

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  9. Talvez as noites dormidas fora de casa tenham a ver com a vida "dupla" que o Rodrigo devia levar.
    Vamos aguardar para ver se o computador tem algo de interessante.
    Beijinhos

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    1. Talvez… ou então é mais um embuste de quem escreveu isto para vos fazer andar ás voltas e acabar com o Rodrigo a escorregar do telhado com um desequilíbrio qualquer (sorrisos)
      Obrigado e bom início de semana

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