“Quando a vida não te pertence – Da cumplicidade ao amor, da união à separação, Parte II” (Texto 33 de 35)


Caminharam pela noite dentro, sem rumo certo e ela claramente perturbada e de voz trémula repetiu-lhe teimosamente:

- Tem a certeza de que ele tenha sido assassinado? Tem provas disso? Quem são essas testemunhas?

- Há fortes indícios, sim, infelizmente, como deve compreender, não lhe posso revelar.

- Nos últimos dois anos, eu e o Rodrigo tivemos um relacionamento, que acabou por não resultar, mas ficámos amigos. Por isso, sim, essa parte é verdadeira. Não o assumimos porque não podíamos ser vistos juntos.

- Como assim?

- Eu não tenho provas do que lhe vou dizer a seguir, mas é muito provável que alguém tenha elementos que nos incriminem nos acontecimentos que levaram à insolvência da cadeia de hotéis.

 Duarte permaneceu em silêncio e deixou-a falar.

- Fomos contratados pelo acionista maioritário para esconder a origem ilícita de determinados ativos financeiros e bens patrimoniais. O verdadeiro esquema, a auditoria nem sequer descobriu. Eu executei, mas foi o Rodrigo que desenhou todos os passos a dar, essa era a função dele.

- E o Diretor financeiro? Ou os outros dois administradores?

- O primeiro foi comprado e convidado a reformar-se e o administrador com a parte financeira foi obrigado pelos acionistas a assumir as funções, atendendo à crise financeira que se continuava a atravessar, mas era tão pouco competente que assinou tudo o que quisemos que assinasse.

- Portanto, não fazia parte do conluio?

- Não, foi incriminado apenas e o outro também, mas esse só entendia de decoração e restauração, não foi sequer um desafio.

O tal acionista quis que fossem incriminados?

- Nós só fizemos o que nos foi pedido.

- E o que é que ganharam em troca?

- Um salário inflacionado, prémios anuais, despesas em serviço que contemplavam refeições, gasolina ou outro tipo de despesas previstas no orçamento e a promessa de uma transferência de um milhão de euros para mim e dois para ele, por conta, num paraíso fiscal a ser entregue cinco anos depois do caso estar encerrado em tribunal.

- Já viu o cheiro do dinheiro?

- Nem penso ver. No dia anterior à morte de Rodrigo tive acesso a um processo que está a ser preparado. Fui ouvida e consultada, quer pela minha área de apoio, quer pelo conhecimento que desse senhor tenho e sei que vai ser indiciado com vários crimes, isto se é que ainda não saiu do país.

- O Rodrigo sabia disso?

- Eu disse-lhe e ele ficou tão perturbado que fiquei a pensar se não teria sido esse o motivo que o fez saltar. A verdade é que ambos hipotecámos o nosso futuro por uma promessa que muito provavelmente não passou disso mesmo e continuámos a viver num país onde nos têm na mão e nos podem prender a todo o momento.

Comentários

  1. Bom, começa a levantar-se o véu do mistério. A ser verdade o que a Vera conta, não me admira nada que ela não vá aparecer também em qualquer canto.
    Abraço, saúde e boa semana

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    1. Essa é uma das muitas coisas que me agradam nas suas análises… (sorrisos) Ela pode estar a dizer a verdade ou estar a conduzir Duarte no sentido que bem lhe interessa (digo eu para lançar confusão)
      Espero que esteja bem, um abraço e muita saúde.

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  2. Que trama! Que bom é ler isto e continuar a achar que o criminoso é o mordomo.
    Muito bom

    Bom dia, João

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    1. (sorrisos) com o último texto a chegar sinto a responsabilidade de ter um texto final a fazer sentido e do vosso agrado.
      Um beijinho para ti

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  3. Tinha que haver qualquer esquema fraudulento... Mas era motivo para matar?
    Uma boa semana com muita saúde.
    Um beijo.

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    1. Uma grande questão... até aqui há muitos motivos e muitas pessoas com motivos, mas para mim, há essa questão que a Graça coloca.
      Haverá?
      Um beijo, obrigado, muita saúde e um fim de semana inspirado

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  4. Vidas vendidas. Por dinheiro se comprometem e no fim vê-se o resultado.
    Abraço
    Olinda

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    1. Quem olhou para Rodrigo (nos bons e velhos tempos) viu alguém com sucesso, com dinheiro, mas não viu o preço a pagar ou as eventuais consequências daqueles "que brincam aos pobrezinhos".
      Abraço e um fim de semana inspirado

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  5. Pois é... estraga-se a vida por mais e mais dinheiro e depois não se sabe o que fazer com ela. São tantos os nós, que é quase impossivel desatá-los e ....o final é sempre desastroso. Beij8nhos, Amigo e uma boa semana. Saúde para todos
    Emilia

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    1. um beijinho, obrigado por estar desse lado, saúde e um fim de semana inspirado

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  6. Esses jogos dão sempre mau resultado.
    Como sabemos isso aqui!

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  7. Ah...Penso que uma luz começa a clarear o mistério, e vislumbro aí algo que me diz que Rodrigo nao cometeu suicídio...
    História excelente. Autor talentoso.
    Beijo

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    1. Muito obrigado, há muitas oportunidades de melhoria, mas foi um conto que me divertiu bastante ao escrever.
      Obrigado pela presença e pela generosidade.
      Um beijo e um bom fim de semana, tranquilo e com sol

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  8. Que embrulhada! O dinheiro sempre foi, é e será a causa e todos os males.
    Noite feliz.

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    1. Um beijo para si e um fim de semana tranquilo e iluminado pela estrela maior.

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  9. Bem, pelo que a Vera disse e se realmente for verdade, o Rodrigo vendeu mesmo a alma ao diabo naquele dia em que foi contactado à saída da faculdade.
    Vou já a correr ver os capítulos seguintes.
    Beijinhos

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