"Quando a vida não te pertence – Não, não acredito na hipótese suicídio” (Texto 14 de 35)

Duarte despede-se e sai em direção a casa, sente-se triste e exausto e caminha vagarosamente, enquanto a sua mente viaja a grande velocidade pelos muitos momentos de convívio que ele e Rodrigo tiveram. Recorda-se de num fim de tarde quente de verão, após mais um treino, falarem do tema suicídio, a propósito de uma amiga de infância sua que “se tinha libertado desta existência terrena” e estas tinham sido as palavras de Duarte.

Rodrigo foi assertivo, direto e coerente, como sempre era e confessou-lhe já ter pensado em tal, quando era jovem, num hiato de tempo que mediou entre a morte do pai e a doença da mãe, algo possivelmente potenciado por estar em plena adolescência. Disse entender a razão pela qual algumas pessoas o faziam, mas disse também que amava a vida e todas as pequenas coisas e que o dia seguinte, esse, era sempre um novo dia, renovado e com todas as muitas possibilidades e potencialidades que tal acalentava.

- Duarte, moço, a vida é tão difícil e ao mesmo tempo tão extraordinária. Eu acredito na eutanásia, mas não no suicídio. O que hoje é demasiado e mau, daqui a um ano pode ser espetacular e não darmos oportunidade a nós mesmos da eventualidade de chegar a esse mesmo espetacular… é um grande erro.

- Não.

Pensou Duarte. “Não, não acredito na hipótese de suicídio”, tenho de arranjar forma de aceder ao relatório do médico.

Puxa o fecho do casaco para cima e esfrega as mãos na tentativa infrutífera de se aquecer.

Duarte já tinha estado uma ou duas vezes, basicamente de passagem, com a família de Rodrigo e não lhe chocava a dinâmica familiar apesar de não ser a sua.

No fundo, as famílias são todas diferentes e igualmente estranhas ou disfuncionais e nesta havia intimidade e proximidade, algo que mais ninguém parecia ter em relação a Rodrigo.

A relação próxima com o sobrinho encantava e era incrível as semelhanças que este tinha com Rodrigo e não era algo de incomum ele ficar com a criança em momentos que os pais quisessem um jantar a dois ou uma tarde de paixão a renovar, ou tão-só porque sim.

A relação que mantinham os irmãos permitia ver que já tinham sido próximos no passado, mas que a presente teriam muito pouco em comum. Já com Rosa, a sintonia deles revelava a longa ligação de muitos anos de vida partilhados. Duarte chegou a pensar que aqueles dois teriam feito sentido juntos, não fosse o carater forte e vincado da cunhada e o facto de ser mulher do irmão daquele.

Num desses breves momentos presenciados em família, a Duarte fora-lhe dado a conhecer o pouco que presentemente sabia de Rodrigo, como por exemplo, o facto de anos antes, no auge da carreira deste, tudo lhe parecer ser oferecido e obtido sem esforço de maior, desde o ter-se tornado no mais novo diretor e logo a seguir administrador da histórica e centenária cadeia de hotéis, à satisfação dos seus desejos por mais simples que fossem.

- Acredita Duarte, se ele calhava dizer que estava a pensar levar-me a um jogo do Benfica, um ou dois dias depois...

- Ou no próprio dia mesmo.

Interrompe Rosa alegremente.

- Sim, ou no próprio dia. E como por magia, lá estava a secretária a bater-lhe à porta com os bilhetes.

- A minha querida Senhora Magalhães. 

Disse na altura Rodrigo.

- Tão “feinha”, coitada da Senhora.

- Rosa…

Comentários

  1. Caraças! Esta história é intrincada a valer, e faz-me querer ler, já, o próximo capítulo: Fosse livro, e eu, mesmo à luz dum dia cinzento havia de o devorar.

    Bom dia, João

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Já tive oportunidade de dizer em comentários anteriores e estou agora a começar a abrir as portas deste enredo e estou muito curioso com as vossas reações e espero que gostem.
      Até aqui quis apresentar as personagens e neste texto em particular, a minha tentativa foi também de ter um momento familiar um pouco mais íntimo e com dados que podem ajudar a entender o “passado” que ainda aí está à espera de ser mostrado.
      Um beijinho para ti

      Eliminar
  2. Tema muito interessante o do suicídio (assistido ou não)

    Abraço e feliz Abril

    ResponderEliminar
  3. Eu desde o início estou com o Duarte. Desconfio do suicídio que alguns personagens nos querem passar.
    Mas como nem sempre o que parece, é, quem sabe o autor vai suicidar mesmo o Rodrigo. Enfim o mistério adensa-se e eu estou com a Noname, se fosse um livro, ia lê-lo de seguidinha empolgada por esse mistério. Vamos ver se o relatório da morte trás alguma luz ao caso.
    Abraço e saúde

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. A Elvira já tem um personagem favorito… parece-me (sorrisos) e outros tantos com orelhas de burro e virados para a parece (mais sorrisos)
      A Elvira quando escreve parece ter uma fita métrica e tanto os textos como o enredo são feitos por medida e há um ritmo e uma cadência extraordinários a despertar o interesse de quem lê, por isso quero que saiba que a admiro muito e já não será hoje, mas amanhã vou voltar a colocar a minha leitura em dia.
      A parte boa do distanciamento temporal é que eu consigo responder aos comentários sem saber o encadeamento e todas as variantes do conto e isso agrada-me bastante porque me permite comentar sem achar que estou a dizer mais do que devia.
      Como disse e bem, até aqui, não vi nada de oficial e há apenas uma tentativa ou um sentimento de alguns personagens a apontar para o suicídio e também vou ser honesto e já não estou recordado do relatório medico… (sorrisos)
      Um abraço, saúde e uma semana tranquila e inspirada

      Eliminar
  4. Quando numa família se encontra lealdade e afinidade, tudo concorre para o bem de todos.
    Boa tardinha de paz, João!
    Tenha dias abençoados com saúde, paz e Amor!
    Abraços fraternos

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. A vida é tão curta e mesmo assim seja na família, seja na amizade ou numa relação pode haver tempo para tanto… paz, instabilidade, amor, separação… O ser humano é especial... nem sempre entende o bom que tem à volta.
      Abraço fraterno e boa semana

      Eliminar
  5. Conversas e mais conversas, e continuo sem saber de que morreu Rodrigo, mas isso sabe o autor da história. Um dia vai revelar, mas até lá continua a minha curiosidade.

    Bom fim de semana.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. (muitos sorrisos)
      Amanhã vou fazer as visitas que tenho em atraso e depois disso vou agendar os textos de abril e vou poder ter uma ideia mais clara do que aí vem… mas acredito que a partir daqui é sempre a desenrolar o novelo… (com alguns nós à mistura)
      Um beijo e boa semana, plena de inspiração

      Eliminar
  6. Capítulo intermédio que nos conduzirá, provavelmente, a algo de mais concreto.
    Pensamentos e dúvidas dos personagens dentre os quais um deles se irá
    impor como protagonista. Por enquanto, só temos o Rodrigo como tal, e tudo
    vai acontecendo à volta dele.

    Abraço
    Olinda

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. O texto que foi hoje publicado provoca a viragem de página com a passagem da introdução de personagens para o início do desenvolvimento do enredo e um será o protagonista, mas outros vão acabar por ganhar o seu espaço na trama e espero muito que gostem.
      Os dois últimos textos estão por limar e tenho planeado os rever e acertar no próximo fim de semana o encerramento deste nosso conto.
      Posso adiantar que o próximo conto está a ser ainda desenhado e com os três primeiros textos escritos numa previsão inicial de sete textos e será num estilo um pouco diferente.
      O meu muito obrigado, um abraço e bom início de semana

      Eliminar
  7. O suicídio continua a ser tema tabu.
    Bfds

    ResponderEliminar
  8. Um tema pesado em que se fala de suicídio e eutanásia.
    A sobrevivência é um dos vetores mais fortes da existência humana. Só mesmo traumas muito fortes podem roubar a alegria de viver pelo que é necessário ponderar e não se deixar abater..
    Abraço amigo.
    Juvenal Nunes

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Por vezes é a ausência de ajuda. Acredito ser uma doença silenciosa que a vida do dia a dia que hoje se vive não permite deixar ouvir aqueles que gritam em silêncio. Os sinais muitas vezes estão lá todos e nem o próprio o consegue ver, ou demora a ver. As pessoas olham para ela ainda com preconceito.
      Abraço amigo e obrigado.

      Eliminar
  9. Continuo a pensar que possa ter sido suicidio...a vida dele mudou muito mas...aguardemos com paciência. Não é livro para que eu pudesse " saltar umas folhinhas "e assim acalmar a curiosidade. Um beijinho e bom fim de semana, com saúde
    Emilia

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Muito obrigado.
      Esse é um dos caminhos e até aqui o único que foi trabalhado (no sentido de dar a conhecer) e é provável que a partir daqui eu tente vos dificultar a tarefa e baralhar um pouco mais com a apresentação dos outros dois caminhos possíveis (sorrisos)
      Muito obrigado pelo carinho e simpatia, um beijinho e bom início de semana

      Eliminar
  10. Pensamentos e dúvidas...que também me assolam...
    Muito especiais as tuas personagens!

    Aguardo a continuação!

    Beijo, meu amigo.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. É claro que um tema destes não pode ser invocado e debatido de animo leve e teve os meus receios em o utilizar e não lhe dar o tratamento que merece num conto que tem um objetivo para lá do que é real.
      As pessoas do nosso tempo, têm vidas muito preenchidas que ao mesmo tempo as esgotam e as isolam (mesmo quando não estão sozinhas – interpretação minha)
      Espero que estejas bem, um beijinho para ti

      Eliminar
  11. Eu continuo convencida que foi um empurrão!!
    Todo o charme e requinte de um policial português.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Como não estou em casa 🏡 escrevo ou com o smartphone ou com o tablete do tempo dos Afonsinos!!

      Eliminar
    2. (sorrisos)
      Eu amanhã vou ver o que perdi na última semana. Mas há momentos que nos exigem um pouco mais.
      Foste a primeira a apontar para a tese do empurrão (sorrisos) e tive de apagar o que ia escrever a seguir que com o tardio da hora quase que me alongava no comentário : )
      A Emília aponta para o suicídio e os restantes continuam a aguardar (sorrisos)
      O enredo vai começar… vai começar… vai começar
      Um beijo para ti, obrigado e boa semana, inspirada e tranquila

      Eliminar
  12. Uma narrativa que nos deixa pendentes da decisão do autor. Suicídio? Também não me parece pois se ele amava a vida...
    Uma boa semana com muita saúde.
    Um beijo.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Um conto pode referir “n” temas mas não é o local certo para passar mensagens que normalmente arriscam ficar escondidas “por entre a gramática”, em todo o caso, para mim, este texto marca uma opinião, muito pessoal que com ajuda, que com o passar do tempo e a medicação certa, o futuro pode voltar a brilhar.
      Muito obrigado, um beijo, saúde e tranquilidade

      Eliminar
  13. Ora cá estou eu a continuar a ler o seu conto, não consigo vir todos os dias, mas quando chego leio os capítulos todos, para não perder a história.
    Pela conversa do Duarte com o Rodrigo, em relação ao tema suicido, não me pareceu que este último tivesse essas intenções, mas quem sabe, por vezes, perante certos eventos da vida, talvez a nossa cabeça deixe de pensar racionalmente.
    Vou continuar a leitura.
    Bjs

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Eu entendo perfeitamente as dificuldades, mas sinto-me honrado pela atenção de todos aqueles que me acompanham nesta maratona, bastante mais exigente para acompanhar que as publicações individuais. E eu tenho isso presente e agradeço.
      Um beijinho e bom fim de semana

      Eliminar

Enviar um comentário

Mensagens populares deste blogue

Desafio 1 – “O Retorno”:

“Natureza, disse ele”

Regresso a casa