“Quando a vida não te pertence – Pedro Lobo” (Texto 3 de 35)

 - O meu irmão morreu? Como é que aconteceu? Não, não acredito.

Desliga o telemóvel, deixa-se cair de forma pesarosa no sofá, leva as mãos à cara e perde-se em lágrimas, parecendo sentir-se devorar por pensamentos de dor e culpa.

Pedro Lobo tinha mais dez anos de diferença de Rodrigo e deixara Gaia rumo a Lagos, onde numa fase inicial chegou a morar em casa do irmão, poucos meses depois de ter começado a namorar Rosa.

A adaptação foi particularmente difícil e inicialmente sentiu-se até, como que, a mudar para um outro país, com uma outra língua e outra forma de estar e de ser. E, retirando as temperaturas um pouco mais amenas de um inverno quase inexistente, por comparação, naquela fase inicial, o algarve acabou por lhe dizer muito pouco. 

Hoje, vinte anos passados e nem o sotaque o parece querer denunciar.

A idade adulta aproximou os irmãos e nos primeiros anos, Rodrigo, Pedro e Rosa, qual tribo, encontravam-se com uma frequência diária, com almoços e jantares aos fins-de-semana, com as ditas férias em família numa perfeita simbiose.

O nascimento tardio do sobrinho, com Rosa a entrar nos quarenta, foi por todos assumido como um pequeno milagre, a bênção que todos desejavam e já não pensavam ter, menos ainda pela ausência de planeamento.

Tantos anos passados e inúmeras consultas depois, Rosa e Pedro há muito que o tinham aceitado como algo que não iria acontecer.

Rodrigo, por seu turno, a viver à data momentos de prosperidade profissional, estaria longe de suspeitar que passados dois anos lhe estaria a ser barrada a entrada na sede da então famosa cadeia de hotéis, da qual era um dos administradores.

Pedro Lobo olha para a mulher, sente-lhe a dor que é também sua e pensa que perante a morte, tudo se perdoa, sejam disputas, seja o egoísmo, sentimentos de injustiça, de traição ou de despeito. “Perante a morte, há todo um muito que perde sentido e outro tanto que ganha e que nos diz que temos de seguir em frente e fazer por sermos felizes”.

Pedro tinha feito o caminho exatamente inverso de Rosa e apresentava-se envelhecido e com algum excesso de peso pelo sedentarismo, ainda mais visível pela acentuada curva da felicidade na zona do abdómen.

Pedro e Rosa são daqueles casais que se olha para eles e vendem felicidade. Mas nem sempre foi assim e quem os conheceu nos primeiros anos sabia que tinham tudo para dar errado. A relação só com os muitos anos começou a ganhar tranquilidade e o rebento pode mesmo ter sido a cola que agora os une, a contrastar com os tempos tempestuosos de um passado que parece agora distante, com muitas disputas pelo meio e tão-só apaziguados pelas muitas noites e dias de sexo intenso.

Mais do que a própria vida, Pedro amava a mulher que lhe tinha oferecido o filho, o seu legado e os três encaixavam num puzzle feliz, cúmplice e unido.

Pedro tinha o que sempre sonhara ter e escolheu “Aceitar o bom, o mau e o ótimo”.

- O Rodrigo? Era, o melhor dos irmãos, um tio exemplar.

Leva as mãos à cara, dá meia-volta desorientado e senta-se para depois imediatamente se levantar.

- O agente chamado a tratar da ocorrência perguntou-me se eu pensava na hipótese de se ter tratado de suicídio. Quem é que faz uma pergunta destas? Quem? Mesmo que tenha sido, não se faz esta pergunta.

Comentários

  1. registo o começo do texto.
    É qiuase um murro no estomago. Gostei

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  2. Gosto, destas tuas tramas dramático-misteriosas :)

    Aguardando, contrariada, por segunda feira.

    É bué tempo de espera ehehehehh

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    1. Vou agendar a seguir... (sorrisos)

      Bom fim de semana, um beijinho para ti

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  3. Gostei da sua presença lá no blog "Sementes". Uma honra, e também alegria.
    Vindo para retribuir a visita , e também interagir , uma grata supresa: uma história que já se desenrola na " terceira página" e que terei o prazer de chegar a 35.
    Parabéns. Gostei.
    Abraços

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    1. Volte sempre, agradeço a visita, abraço e bom fim de semana

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  4. Uma história que começa a adensar-se, características e enredos familiares que se entrecruzam-se.
    Veremos como se desenvolvem.
    Bom ritmo e texto que dá gosto ler.
    Bom fim de semana.
    Abraço
    Olinda

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    1. Não sei como é que se processa o processo criativo dos outros, mas no meu pensamento os personagens acabam por ganhar vida e, em especial quando estou a rever, fico a pensar que nem sempre consigo transmitir toda “a vida” que o personagem tem.
      Pois bem, Pedro Lobo é um homem que viveu o suficiente e acabou por fazer as suas escolhas na vida e no final do dia, depois de olhar para os pratos da balança… é um homem que vive bem com as suas escolhas.
      Um excelente fim de semana para si

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  5. Gostei do que li, João.

    O Pequenas Utopias deixei de estar ao meu alcance, não posso senão comentá-lo. Desde 2008 mantenho activo o https://poetaporkedeusker.blogs.sapo.pt/.

    Abraço!

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    1. Muito obrigado, espero que volte. Abraço e bom fim de semana

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  6. Gostei da narrativa, mas vou recuar para entender o conjunto. Apenas me apressei a fazer o registro e agradecer-lhe a leitura do "prosaico".
    Um abraço,

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    1. Eu é que agradeço, volte sempre. Abraço e um fim de semana inspirado

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  7. Perante a morte toda a gente é uma boa pessoa. Não sei se o Rodrigo era ou não boa gente, ma o amigo vai destapando aqui e ali coisas que me fazem duvidar da bondade que irmão e cunhada apregoam. O futuro o dirá.
    Abraço e saúde.

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    1. (sorrisos, muitos) Ao mesmo tempo que ganho tempo para pensar no que vou escrever a seguir.
      Em muitos dos momentos do processo criativo tive dificuldade em matar o personagem (sorrisos). Não vou adiantar para já muito mais, “o futuro o dirá”.
      Abraço e um fim de semana inspirado e com saúde.

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  8. Um bom texto, bem urdido que gostei de ler, mas vou voltar para apanhar o fio da meada.
    No entanto, não posso deixar de te agradecer já o gentil comentário que fizeste à "minha casa grande", lá, no Barlavento. Muito obrigada, serás sempre bem vindo!
    Um abraço, com votos de bom fim de semana

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    1. Eu é que agradeço e vou voltar com toda a certeza. Abraço e um bom fim de semana para si

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  9. Um Conto , tal como um relato de Vida real, merece os mais altos louvores. Até aqui tudo tem o rumo certo.
    Parabéns e força na continuação.


    Abraço
    SOL da Esteva

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    1. Muito obrigado.
      Já não escrevia faz algum tempo e pode ter sido a razão, mas neste conto em particular tive muitas dúvidas nos caminhos a seguir.
      A dado momento questionei o facto da ação (ou parte dela) se passar num velório, quando passámos os últimos anos a ouvir falar de mortes ou a realizar despedidas, mas a realidade é que a morte é parte da vida e acompanha o nosso próprio crescimento com a dor que nos causa as despedidas daqueles que nos são queridos.
      Abraço e bom fim de semana

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  10. Boa tarde, caro João,
    Muito obrigado, pela visita e gentil comentário no meu cantinho, que muito apreciei.
    Um conto muito interessante, sem dúvida. Que, no fundo, é um retrato da realidade.

    Parabéns!

    Votos de um excelente fim de semana.

    Abraço.

    Mário Margaride

    http://poesiaaquiesta.blogspot.com

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    1. Muito obrigado pelas palavras e pela visita. Abraço e bom fim de semana

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  11. Olá João. Começo por te agradecer a visita ao Começar de Novo e agora dizer-te que estou a gostar do conto,. Tive de ir atrás para entender alguma coisa, mas já lidos os primeiros capitulos, acompanharei com todo o gosto. Obrigada, Amigo e que tenha dias serenos, apesar dos tempos conturbados. Um beijinho
    Emilia

    Não sei se estou certa, mas já teve o blog com outro nome ? Opo meio cheio? Obrigada!
    Emilia

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    1. Sim, um blogue que comecei quando ainda usava um pseudónimo e fez para mim sentido que o copo já não estivesse apenas meio cheio (sorrisos)

      Volte sempre, um beijinho e bom fim de semana

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  12. Amigo, já vi a respostas à pergunta que te fiz. Sim, eras quem eu imaginava. Beijinhos e desculpa a minha falta de atenção.
    Emilia

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  13. Muito bem escrito.
    Talento para a narrativa.
    Gostei bastante do que li até agora.
    Obrigada pela visita.
    Deixo votos de bom fim-de-semana.
    Beijinho
    :)

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    1. Agradeço pela simpatia e pela atenção. Um beijinho e bom fim de semana

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  14. Olá, João, vim agradecer sua visita e ver o que anda ocorrendo por essas ótimas 'Páginas Soltas'!
    Lerei os capítulos anteriores para me inteirar mais do conto, que achei (já) muito interessante.

    (...) " perante a morte, tudo se perdoa, sejam disputas, seja o egoísmo, sentimentos de injustiça, de traição ou de despeito."

    Quanta verdade nisso!
    Um bom fim de semana pra você, com saúde e paz.
    beijinho.

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    1. Muito obrigado, gosto muito das suas crónica. Um beijinho, muita paz e inspiração.

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  15. Olá, João, vim para conhecer esse seu blog e agradecer a simpática visita e comentário deixado.
    Voltarei mais tarde para iniciar a leitura desse seu trabalho, com os primeiros capítulos.
    Um abraço e um bom domingo.

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    1. Volte sempre, eu é que agradeço pela simpatia. Abraço e bom fim de semana.

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  16. Olá,

    Então, Rodrigo vivia no Algarve para onde foi seu irmão, Pedro, que está descorçoado e inconformado com a morte do irmão.
    Segundo escreveu, este trio Rodrigo, Pedro e Rosa, dava-se muito bem e passaram muitos momentos juntos, incluindo férias. O filho de Pedro e Rosa veio cimentar a relação de ambos, que, a início parecia difícil, inconciliável mesmo, mas o sexo "excessivo" entre ambos trouxe a criança e o "amor" .
    Rodrigo tinha até determinada altura uma excelente posição profissional, mas depois, virou-se o feitiço contra o feiticeiro, como vulgarmente se diz.
    Já soube de casos de pessoas que se suicidaram, porque antes tiveram tudo e depois ficaram só com dívidas. Será o caso do Rodrigo?
    Está a virar um conto policial, em minha opinião. Ponha um pouco de "mel" "nisto", se for possível.
    Pois, também estou de acordo com Pedro. A polícia não costuma fazer perguntas deste teor. Aguardemos!

    Beijo e bom resto de domingo.

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    1. (muitos sorrisos) Ora, vamos lá ver como é que eu vou conseguir dizer coisas sem adiantar muito mais…
      Há casais que um dos pontos (nunca o único) que os mantém acaba por ser o sexo. Num mundo ideal seria o amor, a cumplicidade, aquele bom sentimento que se recebe da outra pessoa quando os olhares são trocados e que não muda com o acalmar da paixão, sim, o amor…
      Rosa e Pedro inicialmente concordavam em discordar (sorrisos) e é tão longe quanto posso ir neste momento.
      Prometo que este cenário “horrendo” está muito próximo de acabar, mas acredito que com o avançar da trama vai dar-me razão (espero) que este cenário é um bom cenário para a apresentação inicial dos personagens…
      Todo o conto está escrito, vou revendo aqui e ali o que encontro que necessite de ser alterado mas a nível de resultado final (que está escrito) apenas falta “limar” um pouco o final que ainda está em “bruto”.
      Beijo de gratidão

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  17. Admiro o processo narrativo, pois eu nunca soube efabular. Admirável a tua capacidade de criar personagens. Estas, bem densas.
    Obrigada pelas tuas palavras!
    Beijinho

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    1. A tua escrita faz tudo… é a minha opinião, comecei a admirar a tua escrita desde a primeira visita e estou grato pela tua amizade.
      Um beijinho para ti

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  18. Amigo João Santana,
    Gostei da história e enredo,
    Estranho o medo ou segredo
    Do suicídio, uma humana
    Tragédia triste e tirana
    Mas, às vezes, a maneira
    Torpe, que queira ou não queira
    Acontece entre os humanos
    Como dos funestos danos
    Em covardia derradeira.

    A vida é ma longa lição de humanidade provada em cada provação inicial ou derradeira. Gostei do texto. Parabéns! Grato pela partilha. Abraço fraterno. Laerte.

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    1. Primeiro quero agradecer pelas palavras e presença.
      Quero aproveitar, igualmente, para desvendar um pouco da minha pessoa a quem não me conhece.
      Na escrita tenho tendência a ser um “malandro” e gosto de (pelo menos tentar) surpreender quem me presenteia com o seu tempo e lê o que escrevo.
      Abraço e boa semana

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  19. Olá, João Santana!
    Gostei muito da figura carinhosa que usou para descrever a relação do casal e menino (puzzle).
    Independente de qualquer coisa, havia um vínculo e era respeitado pelo menos...
    Tenha dias abençoados!
    Abraços fraternos de paz

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    1. A vida resume a soma das nossa prioridades e por vezes há momentos que se elevam e nos elevam. Abraço fraterno e obrigado.

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  20. O ser humano na magia do seu ser, a dura realidade aos olhos de todos e que ninguém vê, até ao momento que têm de olhar com outros olhos ,o reviver do vida.um abraço JP

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  21. E com a morte a "estória" começa a ganhar vida.
    Cá continuo a ler e a gostar.
    Brisas doces *

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  22. História estilo policial, muito bem construída.
    Parabéns, Amigo

    Abraço
    SOL da Esteva

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